A Arte Agoniza
Cada vez mais, no espetáculo da monotonia, nos rendemos ao pacato. Feito bebês pássaros, que recebem o alimento já triturado pela força da mastigação dos pais, aguardamos de bocas abertas. Nossa mãe é a grande indústria, que vomita seus produtos, nos engasgando, a ponto de morrermos sufocados com esses pedaços mal digeridos. O artista se vê cada vez mais raro, a medida que se rende aquilo que já se conserva, fazendo com que a busca pelo novo não passe de uma conseqüência do velho resumido. Como dói os estômagos repletos desse lixo que é produzido. A dor é imensa, fazendo com que gerações sintam-se farta desse nada que devora, corrói seus estômagos doentios. Somos saciados com o podre, a ponto de nos tornarmos seres putrefatos. Expelimos essa podridão em nossas permissões cotidianas, que favorecem o crescimento dessa dependência.
Habituados a impotência, amparados por essa mãe corrupta, pronta a nos desgraçar. O pão pútrido, levado goela abaixo, é pouco absorvido, pois é conduzido por um anzol, que o puxa novamente, rasgando porções consideráveis no caminho de volta. Os filósofos deixam de estagnar-se para pensar e tornam-se paralisados desde o ínfimo pensamento. Não se criam ideias, busca-se apenas refletir, fazendo-se um refletor, em um ato de conservadorismo. Como se tudo que pudesse ser pensado já estivesse pronto, e que restasse aos viventes, aproveitar essas sobras da melhor forma possível. As universidades estão repletas desses gênios memorialistas, que criam esses modelos de destruição interior. Estamos entupidos de material imprestável, como grandes produtores de lixo. As crianças são belos aprendizes, largados em centros de controle comportamental, chamados escolas. Mais e mais modelos pacificados.
A inquietação é grande. A violência não é de hoje. A rebelião é esperada. Se a ideia de revolução é voltar, porque ir? Nossos delitos diários que fazem parte do percentual presumível. As estatísticas, metas, a mecânica do mundo repetitivo e sem empolgação. O enfado esmaga a surpresa, deixando-nos a mercê dessa máquina que aniquila qualquer forma de criação. O artesão é esquartejado pelos hediondos processos industriais, que seguem um ritmo de aceleração e conforto, ou seja, conformismo. Abafamos o que foge a regularidade, para que as vozes possam dizer uma só língua. O coro que tenta ser harmônico, diluindo aquela diversidade de timbres que dão o grande sentido ao espetáculo. O problema não está nos acordes, mas sim no acordo, como se uma só voz existisse no todo. Os uniformes nos deixam pálidos, assim como os gráficos sobrepostos aos corpos, que são amontoados numéricos, traçados a ponto de perder suas irregularidades magníficas.
O fenômeno tecnológico auxilia no processo de desintegração da criatividade. Faz com que se acesse mais a respeito do feito e menos se proponha a fazer. Milhões e milhões de informações, transmitidas a todo instante, para se possa no fim, repetir frases, figuras, formas, linguagens, gestos etc. O modelo do modelo do modelo do modelo e assim sucessivamente. Diante dessas diversas imagens construídas, o que resta/ são tantas máscaras que não se percebe mais um antes disso tudo. Adotamos uma estratégia e nos abraçamos a ela, até o momento em que nos afogamos no mais superficial abismo. Cada vez mais vazio, e isso nos pesa tanto. Lutar contra essa massificação é ser um objeto sofrendo a pressão do mar furioso, com ondas tenebrosas vindo em sua direção. Poucos se arriscam dessa forma. O artista não é aquele novo produtor de permissividades. Ele precisa destruir a si, corromper todas as porções mascaradas que o enojam, rasgar as camadas desse corpo inventado, a ponto de sangrar o mais fundo possível. Ele precisa renascer da sua desgraça, para ser o máximo do desespero. O artista deve ser a arte como representação do novo e sempre sucumbir quando fizerem dele um exemplo.