Não Escrita
Percorrer a grafia, faz com que aquele que visualiza, identifique muito mais do que as formas que o olhar consegue perceber. Em um texto, além de cada não-sinal, como é o caso dos espaços entre caracteres, deve-se observar uma infinidade de linguagem que não pode ser representada a princípio. Pensar em um erro é desqualificar a versatilidade que a linguagem é capaz de exercer, com sua arte de transmissão, desenvolvida ao longo do tempo.
O sujeito que escreve, depara-se com um acúmulo de ideias que não serão em sua maioria, representadas na tradução desse pensamento. Parcelas, ínfimas frações, serão reunidas em uma organização que é desconexa ao sentido primordial. O texto vibra com as sensações que o cérebro insiste em incutir nele. Apresentamos esse sistema gráfico, em que o homem tenta se fazer inteligível, ou melhor, transmitir algo, que terá resultados não cogitados, mesmo com toda sua cientificidade dedutiva.
O analfabeto, ainda que não possa registrar de forma escrita, as informações parceladamente coletadas, consegue ter uma sensibilidade maior acerca do que grafia não é capaz de expor ao letrado. O indivíduo sem esse auxílio que os sistemas de escrita fornecem nos processos de educação, procura algo além, buscando qualquer pista, que venha fazer com que desvende esse labirinto de formas. Saber que determinada palavra se refere a uma comida, o faz associar e até instigar o paladar. Mas isso também ocorre com os alfabetizados, embora os segundos comecem a se fixar na estética crua, perdendo essa intuição analógica. As quebras que as regras gramaticais impõem, alimentam o cárcere da linguagem.
Quando escrevo algo, estou retirando um fio de uma complexa teia. O que faz pensar que, muitas corrupções, mais do que segmentos, alimentaram minha construção gráfica, que é uma desconstrução cognitiva. Fomentamos a perda de memórias, fragmentando o pensamento, ao ponto de torná-lo palpável ou não pensativo e sim descritivo. A descrição atua como forma de extração de ideias, fazendo com que nosso cérebro continue processando, ainda que tenha servido-se desses escapes. As pessoas escrevem, atendendo desejos, não valorizando apenas aqueles aduladores, que buscam expor o que é conveniente a alguém. Claro que todo texto possui sua conveniência, mas aqui, nos referimos aos se consideram enganadores de leitores. Apesar de todo aquele que escreve, primeiro enganar a si mesmo.
Por que em certo texto, a personagem criada, resolve beber um copo de água, com tantas outras fontes de ingestão, sejam líquidas ou sólidas. O autor sabe do copo, ainda que experimente uma infinidade de combinações. São feitas as opções, que repercutem no imaginário de quem se depara com sua criação. Debruçar sobre o texto, rastejando por sua malha, apesar do grau de dificuldade, parece uma tarefa possível, quando nos armamos de toda uma técnica hermenêutica. Mas encontrar o não escrito, eis a habilidade pouco desenvolvida por todos esses seres de linguagem. Não é possível dominar esse pensamento do escritor, como do leitor, restando essas migalhas deixadas. O efeito que a palavra estrela tem, varia de acordo com a experiência de que cada um teve a respeito dessa referência astronômica. O que viu o desenho de uma estrela, feito de qualquer jeito e aquele que teve uma noite de amor sob um céu estrelado, terão prismas bem distintos sobre esse mesmo exemplo.
Aquele que escreve, quando escreve, se permite deixar de viver diversas outras sensações, dedicando-se a escrita, que rouba-lhe uma porção de si, que será transformada em algo que não mais lhe diz respeito. Esse fora do escritor é o mesmo fora do leitor, que não vive aquela escrita, mas que provando dela, tenta resgatar suas próprias experiências afim de obter resultados que estimulem suas emoções. Um dia, aprendendo a ler, ocorreu esse cruzamento de informações, o que causa essa sensação de despertar. O que liga o homem em sua linguagem não é o fator identificador direto, mas a cumplicidade indireta. Pois não somos próximos pelo reconhecimento do que é comum, mas pela angústia do que falta. A linguagem não aproxima por fazer entender palavras, mas o olhar para o outro estremece a ambos, por reconhecerem o mistério da alteridade, que é o além do óbvio e a busca por tudo aquilo que me ignora. A ignorância, como bem percebeu Sócrates, é a nossa grande sabedoria.