Contribuição

Abrir as pálpebras para uma manhã fechada. Sentindo o frescor daquele ar seco que invade e seca as narinas, que sangram de maneira sólida, a ponto de sufocar ao tentar respirar. A luminosidade desse céu escuro, parece uma poeira deixada ao acaso, para que possamos enxergar o quanto ínfimo somos. O sol queima, como se fosse a brasa do cigarro de algum deus, que vai tragando, soltando suas baforadas feito galáxias a rodopiar pelo espaço. As nuvens, pesadas sobre nossas cabeças, desabam sobre nossos corpos, em forma de chuva, para lavar qualquer memória que tenha restado. Um dia o sol apaga e a noite acende. As cartas são lançadas à mesa, em mais uma rodada de azar. Cérebros comprimidos em crânios de homo sapiens, ainda que sejamos sapiens duas vezes. Uma verborragia de merda que sai da língua, despejada feito esguicho de vômito, que mais contamina e deseja ser expelido, do que favorece o ambiente em que é excretado. A boca é mesmo um cu ao contrário.

E pensar, naqueles mortos dos noticiários, com rostos de mentiras e estatísticas de verdade. A música ainda embala esses produtores de arte, que adormecem acordados, sonhando com paraísos encantados, vivendo em infernos acordados. O pão duro, roído por bocas de traça, acaba atingindo uma coloração escura, devido ao fundo que se instala. Mendigamos por algum troco, vendendo qualquer coisa que acreditamos ser nossa, cumprindo prazos e matando a auto-estima. A vida não tem a beleza trágica de um bom escritor, com personagens célebres como os de um Victor Hugo ou Dostoiévski. Resta-nos, o habitual, que mata a esperança por tanto esperar. Uma febre fria, que deixa o corpo quente e a mente vazia. Poças de gente refletida nas calçadas, com ondulações que demonstram o tremor interno desses habitantes de vielas emocionais. Animais, disputando com aqueles outros que consideram inferiores a eles. Um filme sem protagonistas.

A visão de olhos amarelos, com mãos calejadas e sulcadas. Os cabelos que emendam com as barbas, da mesma forma, os pelos somados aos pentelhos. É bicho, que desconhece esse barbear ou depilar. Rola na lama de um chiqueiro chamado sociedade, onde a lavagem é sempre pouca, enquanto a merda que os cercam, chega a afogar alguns pobres suínos. Para alguns, um vício, para outros uma saída, eis a resposta em relação a inúmeras formas de se entorpecer. O corpo padece junto com a mente, embora a segunda, procure se desfazer em êxtase. A carne dos corpos, exaltada desde ideais gregos, onde esculpia-se imagens colossais, conservadas até o momento. Ao avesso, somos esse horror encontrado nos necrotérios das ruas. Tão belo é se apaixonar, exaltando o coração que bate mais forte. Romantismo de fachada, já que a repugnância surge de imediato ao vermos um coração fora das artes literárias. Arrancar o coração, parece algo abominável para os que dizem oferecer o seu. E o cérebro então, com aquele forma aquosa, pronta a se dispersar de maneira gosmenta, assim que perde o seu invólucro.

Os monstros saem da ficção, demonstrando sua natureza humana. As formas grotescas, refletem as inquietações dos criadores, que possuem a sensibilidade de externar, o que costuma esconder-se dentro de cada um de nós. Assombramos cada inocência. Crescemos frágeis, e ainda que continuemos assim, criamos uma carapaça que tenta fortalecer essa fragilidade, feito um escudo severo, que denominamos maturidade. Provamos porções de dissabores, até que o paladar se acostume ao desgosto. A fuga em relação a si mesmo, é tão urgente, que acabamos subindo aos céus, na esperança de um local em que toda a carne e a mundaneidade, por mais que façam parte de nossa natureza, sejam dissolvidas e possamos viver nessa paz etérea. Como se aquilo que nos anima, os demônios de nosso interior, fossem destruídos a partir de seu exterior extinto, ou seja, com a corrupção do corpo. Monstros livres, sem as limitações que a existência impõe. Esse é nosso despeito em relação aos seres alados. Desejamos povoar não apenas os céus, mais toda essa trama espacial além do planeta em que habitamos. Por que ignorar os subterrâneos, já que existe tanta criação embaixo, quanto em cima. Nesse mundo terreno, somos como anelídeos, arrastando por essas pequenas brechas, construindo e desmoronando, conforme nossas ambições. Nem baixo demais e nem alto demais, somos medíocres.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 14/04/2013
Código do texto: T4240170
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