Rachar de Rir

A expressão “rachar de rir”, possui um sentido, no mínimo, intrigante. Pois, quando sorrimos, realmente rachamos a boca, que muitos dirão já ser rachada. Reparem que a cavidade bucal mantém-se fechada, conservando apenas uma fresta, que é selada, abrindo-se apenas para falar, se alimentar, bocejar, além de outras funções corriqueiras. A boca abre e fecha, como uma loja que possui o cartaz de “open” ou “closed”, ou é ou não, fazendo-se de mastigadora, faladora, como outras funções que poderiam ser citadas. Temos aquele selar labial, que se fazendo de correspondência, adere um de cima com um debaixo, como um envelope esperando que lhe rompam o lacre. Os dentes são uma segunda forma de cerrar para não ultrapassar o limite que esse poço fornece.

O sorriso seria uma risada inicial, sendo que a risada mesma, mostra-se como necessidade de rasgar a abertura, deixando vazar algo. O que vaza, longe de ser algo mais orgânico, que escapa, é justamente um eco de som. Que resvala naquele abrir que se prolonga ao máximo, já que o riso, busca se prolongar ao máximo, contagiando outros com seu exagero fissurante. Sim, é uma fissura, já que a fenda rompe aquela cola inicial, apegando-se a fala, que mesmo nos mudos, se manifesta pelo símbolo da boca escancarada. Para rir, basta ter uma boca, deixando-o contorcer-se pela fenda que é brutal, chegando aos alienados, que riem despudoradamente, ou mesmo aqueles que sofrem alguma espécie de torção facial, como quem sofre um derrame, onde parece a boca escorrer, mas que o riso, ainda que mais difícil de ser executado, não deixa de rasgar mais.

A rachadura se anuncia muitas vezes, pelo som da fissura e a aparição da fenda, que dilacera a matéria, tornando-a uma autópsia, já que somos abertos em vida. Vejam, o morto não ri, foi selado de vez, conservado apenas uma boca tumular, que está extinta de riso. O que faz pensar nas fábulas em que o morto ri, e como isso tanto apavora, pois lhe é negado esse processo, pelo fato do riso não ser de ordem cadavérica. Desejamos enxergar a risada em animais, ou simular com formas que pensamos representar essa escatologia nossa. Ao rir, rachamos a realidade, criando uma fissura que vai além de um abrir prolongado de boca. Tanto pelas influências, — que vão além de nossa percepção a todos aqueles que recebem esse riso — quanto pelo que nos causa, já que somos aterrorizados por esse demoníaco sorridente.

Uma das maiores afrontas é morrer rindo, pois assim, se faz o último e imperioso escárnio contra a vida. Uma fenda pode ser mínima, o que causa o sorriso, abrindo-se a ponto de fazer-se brecha, criando a risada. Abrindo a brecha, podemos verificar as diversas camadas expostas, infiltrando em nosso íntimo dobrado. Explodimos feito um relâmpago, seguido de trovão, que com as pancadas do martelo de Thor, aterroriza a todos, diante dessa magnífica angústia. o deus monoteísta não ri, nãos e sabe nem mesmo se possui boca, pois é associado apenas com as benesses, e o riso é característica dos atormentados, que se permitem rachar, o que é algo não compatível, com um ser indivisível. O riso é um mistério, que insistimos em fazer vir à tona, na busca por esse eco, que não para de reproduzir dentro do abismo que nós somos.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 27/10/2012
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