Tempos

Há muito que se discute sobre o tempo. O próprio José Saramago já afirmara que as discussões pairam sobre dois temais centrais, espaço e tempo. Aqui, mais uma vez, procuro esboçar algo acerca dessa temporalização que tem inspirado temas desde épocas remotas. Discutindo o ponto de vista acerca de não mais apontarmos O Tempo, com aquele sentido absoluto, uno, que tende a reduzir todas as fórmulas aos caprichos de Chronos. Como já havia apontado em outro ensaio, abordando também a ideia de Kairos, desejo demonstrar a sapiência grega, ao abordar mais de uma forma temporal, assim como suas diversas formas de amor e outros tantos conceitos menos restritivos, aumentando as possibilidades de percepção.

Pergunto ao leitor, quantas vezes já acordou de madrugada, talvez por necessidade de trabalho ou quem sabe ter passado a noite em claro — talvez a claridade seja apenas daquela luminosidade que promove a visão dos olhos, podendo dizer que você esteve em claro e não a noite —, e tenha observado, aqueles um pouco mais atentos ao fato aqui exposto, de que algumas vezes o dia começa a clarear mais cedo. Reparem que acordamos no mesmo horário, entretanto, alguns dias, naquele mesmo horário o céu está escuro ao extremo, enquanto em outros dias, podemos vislumbrar os raios solares que já inundam as nuvens. Se a hora é a mesma, porque alguns dias se fazem mais ou menos escuros?

A resposta poderia ser algum fenômeno de ordem ilusória visual, quem sabe uma transformação cromática característica de dados elementos. Observo outro fator que explique esse fenômeno, o fato de existir, não apenas um tempo, mais tempos. Não me refiro a temporalidades, já que entendo serem essas condicionadas pelo tempo que as precede, logo, não podem ser anteriores aquilo que lhes é a causa. Nosso calendário, criado para atender interesses de ordem humana, é totalmente arbitrário a esse cenário que está além de nossa percepção. Moldamos um tempo, quando existem vários. A necessidade em uniformizar, busca criar essa concepção de social, que não passa de uma ficção para auxiliar o gregarismo humano.

Desta forma, imaginando hipoteticamente, que existem diversos tempos, não podemos falar sobre nenhum deles, já que estaríamos de antemão, encarcerados no nosso. O todo do Tempo, não passa das somas, através de relações entrecruzadas pelos diversos tempos. Se falo de tempos, não me refiro a uma subjetivação dos mesmos, já que atribuo o mesmo valor a cada partícula existente, o que compete aos lógicos deduzir, que se um determinado indivíduo, é designado como organismo, por reunir certa complexidade em sua formação, claro que este mesmo sujeito, estará sujeitado aos tempos das diversas frações que o compõe. Os tempos existem nos mamíferos, assim como, nos minerais, vegetais, além de tantas outras formas que poderíamos mencionar exaustivamente.

Por essa suposição, estabeleço a relação de determinadas espécies, que possuem certa similaridade e até harmonia em tempo de vida, por possuírem etapas de tempos similares. Exemplificando, se o tempo rochoso é maior que o vegetal, aqueles com maior acúmulo de rocha, tendem a ter maior longevidade, compondo assim, um grupo que seria classificado como sendo o mesmo, ainda que não sejam. A partir de tais aspectos, podemos destacar o fato de algo ser breve ou longo na trajetória de existência. Nossa própria espécie humana, tende a se unificar e modelar sob tais perspectivas. Claro, que não difere do processo utilizado por diversos setores de análise, inclusive o darwinista. Pois, na teoria darwinista, existe a necessidade de evolução, que eu chamaria de “vontade de união temporal”, já que os tempos tendem a se aglomerar. Não nos esqueçamos, o evolucionismo busca perdurar.

Utilizo a conceitualização de Fernand Braudel, para qualificar de tempos com longa, média e curta duração. Grosso modo falando, muitos insetos que possuem apenas um dia de vida, poderia a titula de figuração, serem classificados como curta duração, sendo que nós estaríamos nos de média duração e rochedos qualificados como longa duração. Este exemplo rude, expressa de forma simples esse trecho da argumentação. Os mais afoitos, diriam que assim poderíamos prever com facilidade, como esse ou aquele tende a se extinguir ou preservar. O fenômeno se faz mais complexo. Quando exponho a relação entre tempos, desejo evidenciar que esse contato relacional tem influência em todos os afetados. O que faz imaginar, que o vegetal em contato com o rochoso, assim como o mamífero com o anfíbio, tende a abreviar ou expandir tanto a existência de um quanto de outro.

Chamo a atenção, a partir desse ponto, para uma relação de poder temporal, onde tempos estão em um embate, fazendo com que os temporalizantes, ou seja, sujeitos aos tempos, sejam influenciados pelas diversas esferas temporais, com benefícios e danos a partir de tais confrontos. Combinações infinitas são feitas pelos tempos finitos, que se espalham, naquela concepção de rizoma que Gilles Deleuze e Félix Guattari expuseram. A imagem mítica de Chronos é do grande devorador, mas a inocência é pensarmos apenas uma boca, já que são diversas, feito nuvem de gafanhotos, aliás, algo bem mais microscópio que isso, além das partículas que os aparelhos nos fazem observar, o átomo é uma complexidade diante disso. Todos devorando todos, ao estilo de Thomas Hobbes, em formato de Oroboros, mas com incontáveis serpentes, ávidas pelas caudas.

Chamo atenção para o fato de relógios não marcarem tempos, apenas horas. As horas são símbolos criados para que possamos nos organizar perante um objetivo arbitrário, que é fazer com que todos sigam um mesmo modelo de tempo. Os tempos ignoram tal forma simulada, fazendo com que embaraços, como o dia ficar por mais tempo escuro, apareçam a olho nu, confundindo as mentes habituadas com a rotina do horário. Mecanizamos um horário para mecanizarmos a nós mesmos, ordenando as funções dos viventes condicionados às regras sociais. Quando imaginamos que a hora passou mais rápida ou lenta, é porque nós estamos mesmo ou acelerados ou reduzidos, causando o desconforto do relógio não coincidir com nosso estado, bem como duas pessoas tendo percepções distintas diante das horas. Vejam, o equívoco foi terem imaginado que a hora é relativa pela influência de nossa percepção, já que os relativos somos nós, e as horas não passam de símbolos que se repetem em uma mecânica estéril.

Datar é marcar um ponto no espaço com uma ponta de caneta, onde logo em seguida, nem sabemos em qual direção apontávamos, perdidos na imensidão de pontos que baila diante dos olhos, feito um oceano de poros. Cada dia que acordamos, é um novo contato diante de tempos. Preservamos uma força temporal, que é mistura de outros tempos, mas que serão brutalmente alteradas em contato com o próximo dia, que irá trazer novas relações temporais. Cada permanência, como a própria vaidade, não passa de vontade temporal. Uma força de tempo “A”, tende a atrair como ímã, outros tempos de ordem “a”, para que possa manter-se em primazia. Só que como somos compostos por diversos tempos, podemos conter um tempo de ordem “b”, que estará sendo atraído por força de tempo “B”. Estamos a todo momento, recebendo doando. O desequilíbrio, tende a favorecer a dissolução de uma aglomeração, para que, com os tempos dispersos, possa-se fazer novas ligações.

Desde o início dos tempos, ou aquilo que denominamos assim, ocorre essa transformação. Isso faz com que cada um de nós, hoje, seja composto da matéria que nos antecedeu, em épocas que sequer poderíamos datar. Bem como o que classificamos como planeta, que é fruto da matéria do que chamamos espaço. Estamos todos ligados, porque nunca estivemos ligados a nada. A única forma de pensar um tempo, seria através de um outro tempo, o que formula a ideia de que todo tempo é não-tempo na mesma medida. Para um avançar é preciso que o outro recue, imaginando a limitação espacial, faz com que no final do processo, aquele que iniciou avançando, termine por recuar em consequência do seu próprio movimento adiante. A matemática é a fórmula desenvolvida para sugerir a esquematização temporal, vejamos que 1 + 1 = 2. veja que 2, não é 1’ e nem 1’’, entretanto, faz-se a partir de ambos, sendo eles mesmos, torna-se um terceiro. E para formar o 1, existe uma infinidade que a reta expõe desde 0.

Quando nosso corpo morre, os restos, em especial o esqueleto, tendem a durar mais. Uma parte de nós possui um tempo maior do que a estrutura corpórea que forma nosso invólucro, ou casca, como costumo chamar. Outra forma de deslocamento temporal corpóreo é o caso de amputação, em que vemos uma fragmentação. Remetendo a outra questão, o quão desigual seria um deus ou algo de tamanho vulto, já que causaria uma discrepância grande nessa balança temporal, fazendo com que um acúmulo excedesse um dos lados. O homem cria a ideia de tempo, baseado em sua percepção acerca de sua condição de sujeito temporalizado. Não existe o atemporal, mas sim um outro tempo, diferente daquele que concebemos, que se estende além de nossa perspectiva lógica-racional. O caos, como expôs José Saramago, é uma ordem a ser decifrada. Assim são os tempos, que se mesclam, na busca por enquadrar-se em sua representação de encaixe, já que percorre um espaço se diluindo sem chegar a dissolver.

A concepção de acabar, conforme dedução humana, acerca de sua dissolução temporal, não passa de inocente preconceito, tendo em vista que somos percorridos por tempos e compostos por eles, sabendo que já existiam antes e nós e que continuarão existindo posteriormente. Eis a lógica, devemos pensar que o homem, como tudo que há, é infinito, à medida que nunca nasceu e nem nunca irá morrer. A morte é a visão ínfima de uma dispersão para possibilitar outras conexões possíveis. Se estamos aqui, é por conta desse processo de transformação que fizeram outros tantos se dispersarem até novas combinações determinarem o que hoje somos. A única coisa que parada que existe, seria o espaço, passivo dos processo que o utilizam como plano, enquanto os tempos se movem, feito placas tectônicas ou outras tantas analogias que poderíamos utilizar, são encaixes e desencaixes constantes, que movimentam e fazem o existir ser esse caminhar ininterrupto.

Os deslocamentos temporais já existem, levando sempre em consideração a multiplicidade temporal. Na física se discute, como no exemplo ficcional de um corpo viajando na velocidade da luz, o que afetaria nesse processo, já que poderia causar a desintegração do sujeito. O conflito está em acelerar todos os tempos do sujeito, fazendo com que ocorra uma reação em cadeia, que tende a afetar todo o processo, com consequências imprevisíveis, como se alguma consequência tivesse de fato previsão. Eis o motivo da ciência nunca conseguir dar conta dos fenômenos, tendo em vista sua necessidade de controle, que foca em uma simulação para deduzir e aplicar. Desde a exaltação do monoteísmo, tende-se a uniformizar as teorizações, o que dificulta a observação da multiplicidade que nos cerca. No politeísmo, distribuí-se mais a imaginação, que se espalhava pelas diversas divindades, contribuindo com algo mais pluralizante. O uno simplifica a ponto de estagnar.

Por fim, estabeleceu-se uma tríade, a saber, passado, presente e futuro, como se isso resolve o impasse. Os próprios tempos verbais demonstram que pode existir um futuro do passado, por exemplo. Não existe a rigidez dessa tripla condição, além daquele sujeito oculto por trás de todas essas proposições, justificando o expresso. Para nos darmos conta dos três estados, presente, passado e futuro, precisamos de um quarto elemento, que liga os três anteriores, como para me fazer eu, precise do outro ou não-eu. A grande contradição dos tempos que também serve como ligação para eles, é o espaço, que corta com sua superfície, os movimentos deslizantes que inundam seu campo. Nas relações de poder travadas entre os tempos, é possível criar no espaço, zonas de influência, chamadas de territórios temporais. São os limites de um tempo em relação ao outro, sempre margeados e completados pelo espaço que é finito e ampara com seu posicionamento de contenção. Não existe também um espaço, mas sim espaços, o que torna o entrecruzamento bem mais complexo. Um espaço é dado, à medida que diversos outros já se conectam, a partir dos tempos, que são durações de forças que permitem a algo existir. O espaço é construído, já que não pode ser um nada a ser preenchido, mas sim, uma curvatura de tempo, que a força consegue realizar.

Os espaços são quebras, enquanto os tempos, uma constante tentativa de juntar fragmentos ou religações, daí a ideia de religião, como aquilo que liga. A grande ligação, voltando ao comentário no início do texto, se faz pela gama reunida ou aglomeração que é possível concentrar. Cada matéria, se quisermos utilizar o exemplo do átomo, ou seja, cada partícula, possui dado grau de tempo, quanto mais matéria, maior a duração pela força gerada que impõe tanto os tempos, quanto as dobras pela pressão que essa massa cria. Basta compararmos. Um inseto possui brevidade de vida, já um mamífero, tende a ter mais longevidade, um planeta então, se comparado a um homem, possui uma durabilidade muito além. Assim o planeta, pela sua massa, determina sua superioridade em relação ao que habita nele e é consequência de seu processo de acumulação. Podem mencionar que um fragmento de rocha, do tamanho de um inseto, dura muito mais que ele. Mas não nos esqueçamos, o inseto é um ser mais complexo, enquanto um fragmento rochoso, seria como uma parte de uma outra esfera de massa, que tende a ser mais densa e consequentemente, ter maior durabilidade, o que mesmo fragmentada, faz com que perdure além daqueles de massa inferior.

Mais uma vez volto na questão mística. Um deus, precisaria reunir uma quantidade de matéria inconcebível, para poder governar tudo aquilo que denominamos universo ou multiversos, ainda que fossem deuses. Um único deus é ainda mais imponderável. A reunião de todo a massa, minimizaria a potencialidade divina, já que esta, precisaria desse corpo material para atuar. O Big Bang é essa nova concepção deificada, que imagina uma grande explosão, decorrente da concentração máxima. O magnetismo de atração de matéria, possui necessidade de soma, fazendo-se parasita, habitando aquela massa e existindo a partir dela, já que sua única função é reunir e perdurar. Fica o enigma acerca dessa força que habita cada matéria, que alguns chamaram em dado momento anima, responsável pela concentração de massa, conduzindo corpos ao movimento e fazendo perdurar e dissolver, pela condição de transformação que é permanente.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 20/10/2012
Código do texto: T3942559
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