Sofista
Na chamada Grécia “antiga”, existiam grupos de debatedores, que foram conhecidos pelos escritos encontrados. Um dos grupos célebres, que formam a base do pensamento ocidental, é o dos filósofos. Esses que se intitulavam “amantes do saber”, fabricaram uma teorização, principalmente partindo do período socrático, que viria a ser o grande baluarte do racionalismo. Sócrates, assim como Platão, Aristóteles, estavam diante do “conhecimento”, acreditando desvendarem ou pelo menos tentarem desvendar os meandros de um ser, partindo daquele pressuposto da essência. Tais buscas reflexivas geraram uma espécie de evolução do pensamento, que visava a partir das descobertas, desenvolver um seguimento para os postulados. Eis o grande engodo, que viria inclusive, sustentar nomenclaturas como fenomenologia, epistemologia, ontologia, entre outras.
Um grupo, tão atacado pelos ditos filósofos, com relatos exasperados nos textos de Platão, foi mal visto em diversas interpretações posteriores, os chamados sofistas. Vejam que a crítica sobre os tais pensadores, era da cobrança feita pelo que ensinavam, o que não difere muito de nós professores. É um saber que custa, sendo transmitido a partir de um contrato, algo que beneficie o transmissor, que faz de seu saber, um ofício. Ainda que argumentemos a respeito de Sócrates, lecionara em praça pública, para que todos tivessem acesso ao conhecimento, vem a pergunta em mente, sobre a qual conhecimento ele se referia em suas exposições? Já que se pressupunha detentor de um conhecer. Mesmo dizendo “saber, nada saber”, demonstrava muito conhecer, ao afirmar que saberia sobre o nada saber.
Daí surge uma guerra entre debatedores, onde os filósofos, dizem em suas obras que foram vitoriosos, ao exporem discussões sob sua perspectiva. Os sofistas foram chamados de falseadores, com sua teorização comparada a algo ilusório e de intuito manipulador. Só que tal evidência é concebida, pelos filósofos compreenderem que tiveram acesso ao conhecimento de fato. Nietzsche chama a atenção para o engodo, como se o pensamento arquitetado e falsificado dos filósofos, fosse posto como verdade, pois é essa a ganância do discurso, fazer-se absoluto. Quando compreendemos que apenas se formou outra corrente de argumentação, podemos deduzir que os filósofos não diferiam tanto dos sofistas. Já que os que filosofavam, também compunham suas teorias, com o mesmo aparato de manipulação. Fazendo com que angariassem devotos que iriam repercutir as ideias.
Os sofistas eram questionadores inveterados, não se sujeitando a uma disciplina de argumento. Eram conhecedores dos processos manipulativos de linguagem, o que facilitava enveredar pelas correntes e desfazê-las. Tal categoria de sofismas fora posta como arte de mercenários, como se não existissem valores políticos, econômicos e de outras ordens, naqueles discursos que os filósofos tanto exaltavam. Ainda que os grupos filosóficos, tivessem essa renúncia, que fora tão explorada pela dogmática, não devemos nos enganar quanto a intenção. Quando se filosofava, seguia-se mesmo um desejo além de si, pensando no bem comum e transformação de mundo para o bem de todos? Pois o fato de cada um possuir uma visão de mundo, faz com que tal moralização, apenas submeta todos a vontade de um.
A estipulação de um valor maior, apenas buscou sujeitar outros valores, fazendo de si um único, autêntico, que faz de todo o resto algo desvalorizado, já que tendem a destruir seus alicerces. O saber, conforme exposição de Michel Foucault, faz parte desse jogo de poder, onde tenta convencer para perdurar, já que a “vontade de potência” possui o intuito de perdurar. O máximo que se consegue obter para fazer com que um saber se mantenha, será utilizado, sem comedimentos. A religiosidade é uma grande força, que atribui valores além das possibilidades, justamente para evitar qualquer forma de crítica. Sempre que estipulamos esse valor e não-valor, bem e mal, jogamos com aquela dualidade do Zoroastrismo, na tentativa de criar esse mundo que se alimenta do bipolar. Mas, em meio ao conforto da simplificação dual, surge o inquietante profeta, o Zaratustra inconformado, que abala os pólos, corrompe a fé, desestrutura a linguagem e cria novamente possibilidades, ainda que sob auspícios sofismáticos.