Crise de Responsabilidade

Durante a história do homem, pelo menos a que foi registrada, observa toda uma gama de instrumentos que fizeram com que o sujeito não tivesse responsabilidade sobre seus atos. Se pensarmos, desde religiões anímicas, como na magia que fazia o homem adentrar os mistérios da natureza, divinizando-os. Vieram outras formas de civilização, nascendo deuses antropomórficos, até fundirem todos em um monoteísmo que perdura na cultura ocidental. Nietzsche teve a ousadia de proclamar a morte de deus, que já existia na postura dos próprios crentes. Chegamos finalmente à contemporaneidade e estamos diante de algo que tem assolado os homens, a chamada depressão.

Neste ensaio, o objetivo é tratar a respeito de uma possível causa da depressão. Partindo de observações feitas que dão indícios acerca de uma hipótese de diagnóstico. O depressivo sofre, ainda que muitos não consigam dizer o porque. Clínicas superlotam com pacientes em busca da cura, mas encontram apenas medicamentos que não permitem que confrontem suas aflições. Cada vez mais, se propaga essa epidemia depressiva. Não se fala de cura, mas sim, de medidas paliativas. Observa-se no comportamento do depressivo em geral, uma necessidade de afastamento dos hábitos da sociedade “sã”, sendo que o sentimento que invade é o de culpa.

A culpa surge dessa perda da inocência, como escrevera Kierkegaard. Quando crianças, somos amparados pelos pais, que exercem a responsabilidade sobre aquele que não possui responsabilidade própria. Assim como, antes teríamos como responsáveis, forças da natureza e deuses. Transferimos a outro a nossa responsabilidade. Quando crescemos, adquirimos nossa própria responsabilidade, quando as escolhas são despejadas no indivíduo, para que possa “crescer”. Os pais “lavam suas mãos”, só temos a nós mesmos a quem recorrer, não apenas para o mérito do conseguido, mas também pelo fracasso do não obtido. Também não existe mais demônio, o que faz cair sobre cada um, o peso dos atos cometidos. Sarte escrevera, “todo homem está condenado a ser livre”, já que esse é obrigado a fazer escolhas, a exercer sua liberdade.

Pior do que não ter em que jogar a culpa pelo fracasso, é estar desorientado, não tendo mais quem faça nossas escolhas. Daí a necessidade de buscar religiões, sacerdotes consultores, divãs, médicos. Queremos a volta de quem age por nós, ou daquilo que seja possível transferir a ação, nos deixando sem esse fardo da responsabilidade, que é o grande fator da depressão. O medo está em agir, sabendo que seus atos repercutem, que provocamos algo fora de controle, como se algum dia alguém tivesse controle sobre o que existe. Aí está a grande aflição, o problema do antroprocentrismo, que faz do homem o grande demiurgo. Mesmo os fiéis sofrem, já que sabem no íntimo que a crença é uma roupagem, daí a necessidade de tantos cultos, para sempre estar renovando a ilusão, eis o “ópio”, como escrevera Marx.

Como desfecho trágico, a depressão tem como cura a própria vontade do homem em se libertar da crise. Isso significa que a única maneira de combater o drama, é assumindo a postura que o levou a vivenciar essa angústia. Pois, se a condição de depressivo é consequência de atribuirmos ao homem a responsabilidade sobre seus atos, a “cura” consiste em assumir esse ser responsável, a saber, a necessidade de responsabilizar a si, frazendo uma nova escolha, condenando-se mais, sartreanamente falando. Ainda que sejamos depressivos, optamos mais uma vez em fazer, já que o não-fazer é outra forma de fazermos. Assim como Adão, fomos expulsos do paraíso da ignorância, agora temos dúvidas, tateando as incertezas de um futuro improvável, sabendo que caminhos sós, ainda mais que o antigo patriarca que tinha a sombra do deus que o abandonou. O sujeito contemporâneo caminha sem sombra, no máximo vendo suas próprias pegadas, que muitas vezes o leva a trilhas feitas em círculo.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 19/08/2012
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