Sobre Ideologia
Muitos debates foram feitos acerca da chamada “ideologia”. Atendo-se ao postulado pelos dicionários de língua portuguesa, como sendo um conjunto de ideias de viés político e econômico, ainda ressaltando como fenômeno de classes. Para ampliar o foco acerca do conceito, menciono a definição dada entre uma safra de marxistas, que associavam como um instrumento de uma determinada classe. Muitas fontes poderiam ser mencionadas, pois o tema foi explorado por diversos autores. Peço que os interessados na temática, consultem as diversas linhas que abordam o assunto, dando prioridade as concepções ditas “clássicas”.
Este ensaio, visa expor a ideologia, a partir de uma perspectiva nietzscheana, procurando um norte teórico baseado em trabalhos como o do filósofo Michel Foucault, no qual me deparei com a temática e a proximidade acerca de algumas impressões. Conforme o desenvolvimento teórico nietzscheano, jamais estivemos diante de algum esclarecimento, a não ser que a claridade seja ilusão de ótica, que mais cega do que faz enxergar. Vivendo perante uma racionalização que transforma o que apreendemos, em uma abstração, que remete sempre a uma não possibilidade, ou antes, possibilidades de não-possibilismo. O que nos projeta em um mundo demasiadamente humano criado, que antropomorfiza o que há, ou aquilo que se acreditar ser, fazendo mais um vez, o homem como modelo de todas coisas.
Em tal perspectiva projetiva, o homem idealiza tudo, porque só percebe o chamado todo, a partir de sua arcabouço ideológico. Dizer que existe um grupo ideológico, conforme alguns marxistas canhestros fizeram, não resolve o problema, apenas visa lançar luz sobre uma fração, fazendo com que obscureça outra. Na obra “Ideologia da Moral”, Nietzsche apresenta o argumento do “Ressentimento”. Parece evidente, que ideólogos, lançam um olhar sobre o outro, dizendo que apenas o que lhe é estranho, se torna ideológico. Mal seria sempre o outro, aquele que oprime, com uma argumentação de vitimados, ressentidos, que está muito aquém de uma leitura mais aprofundada acerca da sociedade. Não se pode mais falar em ideologia, mas sim, ideologias, cada uma atendendo o interesse do grupo que a concebe.
O chamado “proletariado”, também possui sua ideologia. Além disso, é vazado por diversas outras formas de ideologização. Não apenas existe a do opressor sobre o oprimido e vice-versa, existem também as dos sindicalistas, dos parlamentaristas, dos partidos, das comunidades e também dos indivíduos. Dizer-se indivíduo, é lançar uma ideologia de subjetividade, não entrando no mérito se isso é ou não possível, mas o argumento acerca da possibilidade em ser, está estruturado pela ideologia. Quando levanta-se uma bandeira de lutar contra uma ideologia, está no mesmo instante criando outra, ou será que seremos ingênuos a ponto de dizer que ideologia é apenas aquela que consideramos nos oprimir? Ainda que voltemos ao conceito do dicionário, ao estarmos inserido em uma sociedade, também somos produtores de fatores políticos, econômicos e influenciados por eles, não apenas eles, mas tantos outros que criam diversas formas de expressão, a saber, discursivas, pedagógicas, didáticas, demagógicas e também ideológicas.
Se tudo é ideologia, nada é ideológico. Talvez seja considerado ideológico, a medida que nos servimos daquele conceito de “má fé” sartreano. Mas parece que tal suposição é ineficaz, até mesmo por seu caráter de fácil identificação. Aparenta-se mais a um jogo de poder inserido na linguagem, com intuito de enredar adeptos e se fazer absoluto, rivalizando com todos as outras formas ideológicas que também tentam se impor. Sempre que uma ideologia se apodera do poder, fica rodeada por todas as outras que serviram para sua ascensão e serão responsáveis por seu declínio. A linguagem se articula, mas ela é limitada, fazendo com que suas conexões acabem deixando lacunas, que serão preenchidas por outras articulações. Um jogo de quebra-cabeças que sempre estará com peças faltando, fazendo com que o movimento seja ininterrupto. Ideologizar é mover peças para uma dada função, sabendo que nunca será suficiente, o que lhe concede um caráter efêmero. Como no jogo de xadrez, procuramos antever o movimento do oponente, criando estratégias que irão assegurar uma vitória momentânea. Só que nesse tabuleiro, não existe xeque-mate.
A suposta verdade, ou os bastidores de todo esse aparato representativo criado, mantém-se distante de nossa percepção. Movimentamos as peças, explorando aquele espaço concebido do tabuleiro, mas o rei continua obscuro. Até a sombra que pensamos ser a dele, não passa da nossa própria imagem na casa da dicotomia que nosso foco dual emprega para formas os quadrantes das casas. Cada vez que buscamos o desfecho, apenas fazemos emergir uma jogada, que faz eclodir outras, pois nessa competição, são diversos adversários ao mesmo tempo. O que faz o quadrante se alargar, com vistas a peões que são lançados até mesmo da parte superior e inferior. Além de ângulos diversos, o que torna caleidoscópica a movimentação, dificultando cada gesto, que apenas abrange uma limitada porção de possibilidades. Somos todos peças, dançando nas mãos do Acaso, que é o grande jogador, que promove a real emoção da surpresa.