GURUPI, UMA PALAVRA ORIGINÁRIA DO TUPI
Gurupi, uma palavra originária do Tupi
ESTUDO LINGÜÍSTICO HISTÓRICO
“Gurupi é palavra Tupi, e não Xerente. Jamais significou diamante puro,ou rio do cascalho, mas sim, o rio das roças”.
Moura Lima
“E, de acordo com os livros dos tupinólogos maiores: Teodoro Sampaio, Pe. Lemos Barbosa, e, notadamente, na gramática Tupi de Couto de Magalhães,isto é,após exaustivos estudos léxicos, do ponto de vista analítico-semântico, é que chegamos á conclusão, de que, a sinonímia da palavra Gurupi, é “o rio das roças”; jamais diamante puro,ou rio dos cascalhos.”
Moura Lima
De maneira geral todos nós brasileiros temos a sensação de viver num país monolíngüe; mas de fato, o Brasil é, na acepção da verdade, uma nação multilíngüe, pois, no território pátrio, são faladas atualmente 180 línguas, sendo que o Português é a majoritária e as demais minoritárias.
Já no descobrimento do Brasil, existiam no nosso território mais de mil línguas, e hoje se resumem a 15% no país.
Outro ponto a ressaltar é o estudo dos nossos lingüistas brasileiros, que vêm tentando reconstruir a história filogenética das línguas sobreviventes.
No horizonte das línguas indígenas brasileiras, destaca-se a língua tupi, ou nheengatu, o tupi vivo – a língua bela!
E, parafraseando o general Couto de Magalhães, “ Nenhuma língua primitiva do mundo, nem mesmo o sânscrito, ocupou tão grande extensão geográfica como o tupi e seus dialetos”.
Assim, é só olhar ao nosso redor: estão, aí, as palavras tupis nos nomes dos lugares, das cidades, das plantas, dos rios e das tribos indígenas, que ainda erram pela Amazônia e vão levando os vestígios dessa poderosa língua. Vejamos alguns exemplos: Itapuranga, itá - pedra, puranga – bonita - A Pedra Bonita; Itaipu, itá - pedra, ypú – fonte - A Fonte das Pedras; Itajubá, itá - pedra, yubá - amarelo - A Pedra Amarela, o ouro.
Por conseguinte, se os nossos pioneiros fossem um pouco mais esclarecidos, na toponímia indígena, não teriam colocado o topônimo Gurupi, mas sim, ITAUNA, itá-pedra, una-preta – A pedra preta, que estaria em consonância com a história da colonização do município, que teve inicio na fazenda Pedra Preta, primeiro núcleo humana a adentra o território do futuro município de Gurupi, na década de 1920, capitaneado por Zé Vaqueiro, Bião, Rufino Ciel, Zé Praxedes e outros.Mas é uma outra história, que abordo em profundidade no meu livro inédito “A Conquista do Sertão de Gurupi”.
A palavra Gurupi, topônimo da cidade de Gurupi, estado do Tocantins, é de origem tupi, e não xerente, como querem os apedeutas.
E, de acordo com os tupinólogos Teodoro Sampaio, Pe. Lemos Barbosa, e Couto de Magalhães, a sinonímia da palavra Gurupi, é “o rio das roças”; jamais diamante puro.
Para ser “diamante puro” teria que ser outra palavra do tupi, como, por exemplo: ITABERABETÊ, que quer dizer, o cristal verdadeiro, o diamante puro.
Assim sendo, vejamos a decomposição do sintagma Gurupi, que é uma frase adverbial.
Gu= líquido, água, rupi= preposição pelo + caminho da roça, ou seja, gramaticalmente o caminho da roça. E, fazendo aglutinação do termo determinante e determinado, isto é, por sintonia semântica, de elementos componentes, rio + roça, dá o sinônimo – o rio das roças.
Recentemente, lendo o livro “Descrição dos Rios Parnaíba e Gurupi”, edição 1873, do cientista alemão, depois naturalizado brasileiro, Engº Gustavo Dodt, que realizou uma expedição exploratória e científica no rio Gurupi, divisor natural do Pará e Maranhão, chegamos à conclusão, de que, em razão de os índios Timbira (tronco tupi) plantarem a margem do rio, as suas roças, passaram a denominá-lo de Gurupi, que significa na língua Tupi “O Rio das Roças”.
Mas, de acordo com estudiosos lingüistas da Amazônia, a oralidade está presente, nos dias que correm, notadamente, nos costumes, nas tradições da margem do rio Gurupi, do Maranhão, desde a sua formação, na cabeceira do rio Itinga e Cajuapara, e, em todo o seu percurso, até a desembocadura no Atlântico, os nativos da região, de maneira geral, consideram o significado da palavra Gurupi como “Caminho de água”, de certa forma, vem corrobora lexicamente o presente estudo etimológico e semântico.
Por conseguinte, nessa linha de raciocínio e, tão-somente, para uma ilustração geográfica dos leitores, o rio Gurupi separa o Maranhão do Pará, nascendo na base setentrional da serra conhecida pelo nome de “Serra de Gurupi”, ou seja, um prolongamento da serra da Desordem, paralela ao Tocantins. E o desbravador dos sertões de outrora, naturalmente, passando pela nossa região (Gurupi-Tocantins), talvez observando a fertilidade das margens do nosso rio, batizou-o de rio Gurupi, em homenagem ao Rio Gurupi no Pará, o “Rio das Roças!”. E o responsável por este transporte semântico da palavra Gurupi foi um dos pioneiros da fundação de Gurupi, Moisés Britto, que, voando no seu teco-teco por cima da Mata da bacia do Sto. Antonio, no inicio da década de 1950, dizia, na sua fala fluente, aonde chegava, desde Porto Nacional até Goiânia:
-É uma beleza de mata, parece a mata do Gurupi, lá do Maranhão!
E essa repetição constante, análoga a um bordão fraseológico, se espalhou pelo setentrião de Goiás, hoje Tocantins, e daí a pouco, a mata da bacia do rio Sto. Antonio era batizada de “Mata do Gurupi”, e, por analogia, estendeu ao rio Gurupi e ao povoado em formação.
A palavra Gurupi, ou melhor, a patuscada do nosso primeiro historiador Adauto Cordeiro Cavalcante, no seu livro “Gurupi”, edição UFG, 1968, faz um cipoal semântico medonho, sem base filológica (pois, o autor, não citou referências bibliográficas) para a definição, criando assim, um mistifório ou engrimanço soberbo, de verdadeira maçarocada lingüística, por aglutinação prefixal imagética, corajosamente definiu Gurupi como “Diamante puro”, numa afronta de contraste aos estudiosos da língua tupi e, no que tange ao aspecto geológico do solo de nossa cidade, que é, na sua maior parte, de pedra-canga, isto é, a ultima fase da decomposição da rocha. Grande paparrotada!
Portanto, esse crasso equívoco, que se generalizou, na repetição constante, de um significado falso, sem consistência filológica, criou uma questiúncula, que nos levou a pesquisar o sentido etimológico da palavra Gurupi.
Porém, observando-se a palavra Gurupi pelo ângulo da cultura popular, ou pelo regionalismo, ou pela carnavalização dialógica, no dizer de Mikhail Bakhtin, a mesma se autodefine, na linguagem espirituosa de nossos matutos, como “confusão”, em razão dos tendepás, das velhacarias, dos atos desonestos, dos qüiproquós, rusgas e do disse-que-disse dos linguarudos matraqueiros, tão comuns nas regiões pioneiras das currutelas e dos pequenos lugarejos, em função do fluxo migratório dos aventureiros na busca de melhores dias, ou dos prazeres ilusórios da caminhada terrena.
Por isso que ainda se diz, no linguajar popular ou dialetal de nossa região, no cochicho de velhos sertanejos:
- Veja lá, meu compadre, aquele cabra é um gurupi à-toa! Quer dizer, velhaco, desonesto, intrometido, traiçoeiro e cheio de artimanhas escusas. Estribado em tal conceito popular, cremos, que o mesmo ocorreu em razão da deturpação do significado da palavra Gurupi, no Tupi-Guarani, que quer dizer, ” por debaixo”, às oculta. E o timbre malicioso do nosso sertanejo não perdeu tempo, e estendeu-o à pessoa de má índole, isto é, aos velhacos, embusteiros e desonestos.
Assim, neste breve bosquejo, não pretendemos esgotar o assunto, mas sim, abri-lo para novas pesquisas, que venham consolidar e legitimar as bases verdadeiras da história de Gurupi, - a capital universitária do sul do Estado do Tocantins.
Moura Lima é escritor, advogado, pós-graduado em língua portuguesa e membro da Academia Tocantinense de Letras. Reside em Gurupi – TO. E-mail: j.mouralima@zipmail.com.br
*Texto publicado na Internet, site: www.usina de letras.com.br
GLOSSÁRIO
(De acordo com o texto)
Filogenético = História evolucionária das línguas (ou espécies).
Maçarocada = S.f. Maçada, mistura das idéias, confusão, emaranhado.
Qüiproquós = S.m. Confusão de uma coisa por outra, briga, rolo,barulho, bate-barba..
Gurupi = O rio das roças.
Sintagma = s.m. Fusão, reunião ou combinação de dois ou mais elementos, formando uma unidade léxica.
Tendepá = S.m. Briga, rolo, fuá, discussão, contenda.
Bibliografia de apoio
Lemos Barbosa, Pe.
Pequeno Vocabulário Tupi-Português
1951-Rio-Impr.Nacional.
Peralta, ªJover e Tomo Osuna
Dicionário Guarani
1952-Buenos Aires-Tupã.
Sampaio, Teodoro
O Tupi na Geografia Nacional
1940-Itatia-RJ.
Moura Lima
Veredão – Contos Regionais
1999 – Edit. Cometa/Gurupi-TO.
Magalhães, Couto
O Selvagem
1957- Universidade de S. Paulo.
Dodt, Gustavo
Descrição dos Rios Parnaíba e Gurupi
1873-São Paulo.
Freitas, Afonso M.S.
Vocabulário NHEENGATU – Tupi-Guarani
1976-S. PAULO.
Figueira, Luís
Arte de Gramática da língua brasílica-Leipzig:B.G
Teuber (1878) – RJ.
Valdomiro B. Ortêncio
Dicionário do Brasil Central
1983 – Editora Ática – S.Paulo