O Trágico
A natureza humana tem por finalidade a tragédia. A vida é trágica. Já nascemos sabendo que viver consiste em morrer. A felicidade é máscara que veste e despe, até o momento que não temos mais rosto para sustentá-la. Basta olhar as prateleiras nas livrarias, as pessoas buscam o que as humaniza, é na dor que se confraternizam. Os alegres ignoram pelo prazer que obscurece a visão, já o sofrimento aproxima. Esquecemos para podermos lembrar, esquecemos de si e lembramos dos outros ou mesmo de nós junto a outrem. Mesmo no humor, temos a ironia do trágico, onde busca-se andar na corda-bamba que pende sobre o abismo da angústia.
O sorriso do palhaço é isso, o próprio Nietzsche já escreveu, que o homem é tão trágico, que se torna o único animal que consegue produzir a risada. O motivo está sempre à espreita, seja em um acidente, onde a multidão se espreme para contemplar o que todos nós estamos passivos. O próprio cadáver é a máscara sem face, por isso parece tão carnavalescamente fora de época. Se estamos sós, nos damos conta dessa condição e deprimimos, só que mesmo acompanhados, nos fazemos sós, pois o solitário se faz de sozinho, independente das condições que o cercam.
Temos a memória, uma mínima fração, fazendo com que retornemos aos dissabores. A maioria se perde, mas não temos esse esquecimento quase pleno de outros animais, ser histórico é sofrer prolongado. Deixamos a herança do infortúnio. A extensão não alivia, mas torna o fardo mais degradante, onde os próximos agregam temores por indução. Para poder respirar, só mesmo esfacelando toda essa acumulação memorial, caindo na repetição mais habitual. Fizemos do mundo uma projeção do trágico, agora nos fazemos de Atlas e sofremos com o peso do projetado. A percepção de Sartre em “A Náusea” sobre prolongar a vida por pura fraqueza, o medo que apodera-se da frágil carcaça.
Dionísio embebedando os aflitos. Bêbedos com pouca consciência, tomados de algo anestesiante. O drink abre o portal, que nos projeta pra fora da pequena angústia que tiraniza. Alcoolizados, mergulhamos na máxima angústia, a de não ter paradeiro, a perda da referência, a própria gravidade se torna fugidia. O pesadelo é o retorno à sobriedade, sabendo que estivemos no abismo e que lá dançamos sem nos preocuparmos como desejávamos antes do salto. Somos mal viventes por falta de adaptação a nossa condição. Descontentes com o estado que é absoluto, daí nos fazermos de soluto.
Uma humanidade trágica, só poder ter como salvador um crucificado, pois ela se alimenta da dor, sofre a penitência e no final se sacrifica. Nega até o fim a sua natureza, mas no final, sucumbe a ela. A adoração aos mortos é um meio desesperado de continuar sofrendo, trazendo a morte à vida, como um rejeitado tentando se socializar. Com intuito de se prolongar, concebemos. Novos angustiados nascem pra morrer, uns são precoces e já nascem mortos. Os gregos compreenderam bem isso, daí a sua teatralização magnífica, Marx no “18 Brumário” contemplou o trágico e nós, ainda sonhamos com a abolição do que faz parte de nós, por isso nunca saímos do pesadelo.