Iceberg
Somos ilhas em um mar de gente. As pessoas passam por nós num fluxo fluídico, vez ou outra em forma de corredeira, quando sentimos leve abalo. Seguem um curso que não identificamos com o nosso, estamos brutalizados em terra, enquanto o outro elemento aquoso, prossegue indiferente. A indiferença é ilusória, pois só existe a ilha por causa desse oceano humanístico que a circunda, seu estado deserto possui sempre um povoamento nas margens.
E pensar que também fomos água, talvez ainda estejamos compostos por essa substância, já que admitimos ter pertencido aquele fluxo, em meio a imensidão oceânica que a multidão faz surgir. Temos a impressão de nos tornamos terra, por essa fossilização bruta que nos compele a um “ser ilha”. Mas admitindo a matéria, ou elemento primal, como sendo o mesmo, com a alternância do estado, outrora líquido, agora sólido, pressupomos a nós mesmos como água solidificada, saímos da condição de ilha e nos vemos enquanto icebergs.
Os outros seguem por serem mais maleáveis. Talvez um derretimento do sentir nos torne outra vez fluídicos, em uma mobilidade além desse empurrar vagaroso que a força do gelo impõe. Ilhas de gelo, que muitas vezes se aglomeram, formando uma porção maior, que estala, cria fendas e se parte, criando frações do que antes era um mesmo. Conservamos ao máximo essa forma, com intuito de impor nossa condição gélida, verdadeiras represas, que são obstáculos diminutos, perto da vastidão dos domínios de Poseidon.
As ondas arrebentam sobre nós, reduzindo a pedaços nossa fortaleza de gelo, auxiliando com sua potência concentrada, na continuidade da correnteza, que arrasta o que tenta se manter no caminho, criando novos limites. O desejo dos icebergs é congelar todo o mar, fazendo dele um fóssil. Mas a fluidez das águas não se contenta com essa condição, usando até mesmo do fogo, ou seja, de uma natureza distinta, para fugir evaporando e retornar liquefeita.
Para todo iceberg existe um degelo, pronto a corroer suas camadas mais espessas de gelo, a ponto de restar apenas a temperatura reduzida, que logo também se elevará junto à influência de graus elevados que o cerca. Sejamos banquisas em vez de icebergs, sempre conscientes de sermos algo momentâneo, assim como o estado líquido e gasoso, esquentando, gelando, fluindo ou estagnando.