Amar é se Mostrar
Há tempos se discute sobre o Amor, filósofos célebres discorreram acerca do tema, poderíamos citar desde o famoso Banquete do Platão, até aos poemas exaltados de Drummond. Mas chamo atenção nesse ensaio, ao fator ótico do Amor, a necessidade de visualização. Claro que não desejo ficar restrito ao simples enxergar, mas a um olhar mais profundo, o ver que é permitido mesmo aos chamados “deficientes visuais”, cegos dos olhos mais não da visão.
Quem ama, sente a necessidade de mostrar que ama, como aquele ser amado precisar saber que é assim desejado, bem como a retribuição do sentimento. Só posso saber que o outro me ama, quando percebo, é preciso ocorrer identificação. Pois aquele que ama velado, apenas sofre uma paixão não realizada, vivendo de um ardor enclausurado, sofrendo e amando a privação, por isso sofre, mostra a si enquanto sofredor, fragilizado pelo não concretizado.
Mesmo em outros animais, existem os rituais de acasalamento, próximos a nosso duelo de afetos, em que ocorre exibição, sejam pavões com suas plumagens ou mesmo cantos de pássaros, o que nos interesse é o fato de fazer perceber o desejo pelo outro. Ainda que amemos a nós mesmos, num afã egocêntrico, teremos o desejo de mostrarmos a si, se fazendo de outro, um Eu criado com intuito de moldar aquilo que irá emergir, se fazer ver através de si.
Quando pensamos em Eros, temido pelos outros deuses. Assim como, a imagem do Cupido, com seus dardos, que percebemos ao flechar, fazia com que se percebesse o outro, que passava a ser objeto de desejo. A flecha em sua própria forma já remete a um apontamento, ela indica uma direção que coincide com um alvo. O Amor nos direciona, faz emergir, mostra, apresenta, divulga. Nos rituais de casamento, onde celebra-se também o Amor, existe a exposição pública, é preciso mostrar a sociedade que se ama, e pelo ato religioso, mostra-se a deus ou aos deuses, que aqueles se amam.
Temos diversos tipos de demonstrações acerca do Amor, tanto no sentido dos casais feliz, como já relatamos, como a tragédia demonstrada, porque não mencionar Shakespeare em seu clássico “Romeu e Julieta”, na política ou mesmo na religiosidade pelo ato de sacrifício. Enfim, o Amor tem a necessidade de aparecer, ao contrário da Justiça, que mencionei em outro ensaio, que tem por função fazer-se velada. A própria frase “Eu te Amo”, é explicitar.
Na família, o pai que ama os filhos faz a demonstração através dos atos, podemos até mesmo identificar o mais amado, pelas revelações maiores acerca dele. Nas escrituras bíblicas, o próprio Jeohvá aponta seus escolhidos, revela, por isso chamo a atenção para o livro Apocalipse, — que tem como significado a Revelação — ser um livro do Amor. Só quem ama revela, ainda mais quando se refere ao destino de uma relação, no caso a humanidade com seu Juízo Final.
Na Thelema se executa a sentença “o Amor é a lei”, pois a lei é mostrada, partilhada, instaurada, tem como função se fazer ver e executar. Por isso é a lei maior, através desse mostrar amplo é possível ampliar a visão. Mesmo na constituição a palavra não deveria ser tão fugidia como muitas vezes observamos, talvez daí a expressividade do Sidarta Gautama ou Cristo em expor o “amai ao próximo”, a necessidade de fazer enxergar os direitos do outro, como os deveres, já que uma relação implica as duas esferas, dever e direito de amar e ser amado.
O Amor é algo tão revelador, que aquele que ama não consegue guardar, ele diz, grita, divulga, tem necessidade de expor. Também serve como forma que o outro veja seu ato de amor, o que nos faz compreender a necessidade do fiel em revelar constantemente o Amor pela divindade, pois precisa urgentemente dessa revelação, aguardando ansioso a retribuição. Quanto maior o Amor, mais requisitos expositivos, o que percebemos na celebração divina, que como trata de algo que pressupõe transcendente, possui uma infinidade de aparatos, que vão desde rezas, súplicas, vestimentas adequadas, até jejuns e auto-flagelo.
Por amor se erguem monumentos, como adora-se a chamada pátria, daí a exaltação com hinos e estandartes. O ato de amor pode chegar ao suicídio, acarretando a forma maior de se mostrar, que é ter o gesto de não mais se fazer ver, como se dissesse que em nome daquele Amor não necessitaria observar nada mais além, daí a finitude da visão.
Esse Amor, também é delator, pois ao exibir, deixa exposta a intenção, o que favorece a repreensão, os românticos que o digam, com seus relacionamentos vigiados. Os patriotas diante de outros patriotas, os religiosos diante de outros religiosos, todos desejando se fazer ver, até o ponto de obscurecer a luminosidade de outrem, pois esse fenômeno ótico é luminoso, pela captação da luz solar, pelo menos aos que não aprenderam a ver sem os olhos.
Nossa gana pelo Amor é tão grande, que não apenas desejamos ver, mais mostrar àquilo que amamos a quem amamos, a ponto de desejar fazer com que todos possam ver. Nesse conflito de amores, que cada um, com sua ideia de amor, não irá facilmente se submeter aos amores alheios, que surge outra revelação, a Ira. Odiamos o amar alheio porque colide com o nosso, despertando a Ira que será a forma de combater o sentimento que tenta amansar o nosso.
Poderiam mencionar que se combate Amor com Amor, mas se crê apenas em um Amor Verdadeiro, enquanto não houver uma forma única de amar, o homem odiará o amável exterior ao seu. Mesmo criando um único deus, se criaram diversas formas de amá-lo e o combate prossegue. Eros flecha a esmo, pode até mesmo fazerem dois amarem um mesmo, mas nada que consiga suprir esse desejo de amar, fazendo com que todos mostrem um mesmo Amor, que vá além das diferenças que são necessárias, mas que estabeleça também uma necessidade comum.
Seja em nome do Amor comum ou de seus desejos amorosos particulares, não deixemos de amar, pois como muitos já professaram, viver sem ter amado é não conhecer a vida, pois é através desse Eros que o mundo se revela e como fazemos parte desse mundo, também nos revelamos a partir desse mesmo princípio amoroso. Sejamos Eros, Ágape, Phlia, Amor, Love, Amour, Amore, Liebe...