Sobre a Cegueira da Visão
Em uma sociedade estética, a visão se torna hiper-valorizada, criando a necessidade daquilo que se pode ver, assim como, a necessidade de determinar um padrão daquilo que é visto. Esse jogo apolíneo remete ao ideal de Belo. O Belo seria aquilo que se estabelece como Verdade, onde busca-se alcançar ou não sendo possível, chegar o mais próximo possível daquilo que é determinado.
A partir de tais perspectivas, evoco o modelo de geógrafo, aquele já deixado de lado pela Geografia contemporânea, mas que serve de analogia ao tema aqui exposto. O geógrafo aqui mencionado, seria aquele que se debruça sobre uma cartografia, perdendo-se no que sua visão consegue captar de um universo de mapas, onde busca nas linhas, solucionar a problemática de sua existência.
No âmbito da linguagem, pensando na escrita, esse geógrafo, a todo momento, busca extrair dos caracteres, uma inteligibilidade do mundo, um mundo escrito, é claro. Apesar da complexidade que isso gera, estar diante de um mapa, reduz a capacidade de percepção, pois engessa a apreensão sensitiva ao uso contínuo e exacerbado da visão. Pensar que um estrategista diante de um mapa, poderá ter uma melhor noção do que um conhecedor do terreno estudado, seria no mínimo, uma inocência.
Justamente a ausência do que se torna essencial, costuma criar possibilidades muito mais férteis. Evoco a cegueira da visão, como forma de tratar da chamada realidade, de uma maneira mais ampla, abrangendo outros sentidos. Os chamados “cegos”, aqueles sem possibilidade de enxergar, mas com probabilidade de ver. Um cego não perde a visão, mas sim se torna impossibilitado de enxergar.
Justamente por não se prende a estética do visual, adentra outros campos, como o do tato. Ainda utilizando o exemplo do geógrafo, diríamos que esse cego, abandona suas referências cartográficas, reduzindo seus mapas a sensações percebidas pelo tatear. A escrita deixa de adentrar os olhos, começa a ser captada pelo toque da ponta dos dedos, ávido por cada sensação de relevo criptografado em braile. Passa de geógrafo a topógrafo.
Sai de sua reclusão visionária, começa a enveredar-se em algo literalmente palpável, com sensações de aroma, gosto, tato, audição. Ainda que existe uma hiper-valorização tateante, possui aguçados, com mais vigor, aqueles sentidos que outrora estavam tímidos diante da imposição visionária. O tatear é menos opressivo, ainda que não seja de menor dependência, pelo receio da visão perdida, o que causa cautela no proceder e apego aos outros sentidos existentes.
Não seria a abundância de um elemento que acarretaria a benesse, mas a falta que causa o apego dos restantes, é o temor de desintegração dos que sobraram. Percebemos que não costuma ser na riqueza que ocorre o auxílio, mas justamente na pobreza, a abundância ofusca pela fartura forjar o eterno, mas na falta, percebemos a finitude diante da infinidade de possibilidades, passamos a ser um dos possíveis fins, o que proporciona a consciência de resoluto.
O tão em meio aos cinco sentidos operantes, pode se tornar também um objeto abundante de ofuscamento dos outros sentires, mas a perda dele, poderá gerar o apego aos outros quatro. Não que seja esse um fator determinante, mas se torna determinável diante de condições adversas. A questão não está em perder para agir em função da perda, mas agir como se tivesse perdido, criando condições de explorar com maior rigor o que é ofuscado por algo demasiadamente iluminado. Observar a escrita como geógrafo, não nos impede de também buscar como topógrafo algo que possa se apresentar nas formas, no tateamento destes relevos a serem explorados.
Assim como aprendendo o alfabeto de sinais para nos comunicarmos com quem só se comunica através deles, devemos aprender mais técnicas para apreender mais possibilidades. Aprender uma língua de sinais por exemplo, não é uma forma de permitir ao outro o acesso, mas acessar em você possíveis outros, prontos a emergir a cada ato.