Revolução Frankensteiniana, Industrial ou Inglesa
Pensemos acerca do evento da nossa História denominado “Revolução Industrial”. Não com o intuito de discutir sobre a terminologia empregada para descrever o mesmo, nem se atendo a pormenores dessa forma engessada que preenche nossos livros didáticos. Também tentemos ignorar eventos infinitos que margearam, margeiam e tendem a margear o imaginário acerca desse “fato”.
O historiador Eric Hobsbawm, expõe em uma obra magnífica, denominada “A Era das Revoluções”, um período específico temporal para lidar com uma linha de discussão que desenvolve. O período seria de 1789 a 1848, com dois grandes movimentos “revolucionários” que seriam marcos nessa temporalização, as chamadas Revoluções Francesa e Industrial.
Coincidindo com esse recorte, temos o nascimento e morte entre 1797 e 1851, da célebre escritora, Mary Shelley. Que é consagrada com a obra “Frankenstein”, tornando-se uma das histórias mais conhecidas na literatura, por diversas adaptações feitas, com filmes, peças teatrais, além de serem recorrentes as citações sobre a mesma.
A princípio, podemos salientar o abalo europeu com a Revolução Francesa, que viria gerar incertezas muito vivas no imaginário da época, com sérias repercussões de ordem social. A título ilustrativo, temos uma mudança drástica de caráter político, com o surgimento de idiossincrasias reconhecidas em lei, já que tal processo reestruturava arcaicas instituições. O fenômeno de massa se revelava com a chamada Época do Terror, onde a população, de forma violenta, fazia-se atuante no cenário governante.
Podemos adotar o nome de Revolução Burguesa, pensar em um declínio monárquico, além do direito civil sendo modelado. Nesse clima de incertezas, restos de antigas tradições sendo misturados e amalgamados a novas perspectivas, que surge essa figura grotesca. Essa criatura de restos humanos, misturado com formas animalescas, a barbárie consubstanciada numa hibridez nefasta. O que faz pensarmos acerca dessa figura aterradora criada pelo Dr. Frankenstein. É um monstro, mas criado a partir de nós mesmos. Edmunde Burke ilustrou bem essa repulsa por tal visão bestial.
Eis a fera, com suas presas à mostra, uma brutalidade pronta a despedaçar não apenas sujeitos de origem nobre, como os religiosos e monárquicos levados à guilhotina. Já que o “terror” é um “mal” de efeitos maiores do que supõe o seu criador, descontrolável força que esmaga a tudo e todos. Não surpreendendo o sonho que a autora teve, inspirando-lhe a obra. Por ser algo vivo nas mentalidades, os eventos recentes que abalaram a Europa, com todo o misticismo empregado como forma eufemística de valorizar um evento histórico.
Somado a tal expectativa fatalista, temos agregados o pensamento religioso, de forte influência, com sua forma de satanizar o que aparenta afrontar seu dogmatismo. Fazendo a narrativa ganhar uma moralização medonha, como aspectos de caráter demoníaco ao personagem que serve de bode expiatório para as angústias do momento. O convívio de Shelley com autores como o próprio Byron e seu esposo Percy Bysshe Shelley, que moldaram o que viria ser chamado Romantismo. Com todo seu caráter funesto, misantrópico.
Mas além dos abalos que o evento na França, nem como diversos outros que estremeceram a sociedade britânica, devemos ressaltar algo que dava sinais de eclodir a qualquer momento, agora no próprio solo inglês. O denominado Iluminismo, elevava sua força, abrindo searas em meio a novas necessidades sociais. Ocasionando uma outra forma de mutação, aliada a essa gama de eventos. Além de rupturas políticas, crises econômicas, sérias transformações sociais, a chamada “razão” também reivindicava um papel de destaque.
Eis a necessidade de um Dr. criar o monstro repugnante de Mary, já que havia a necessidade do “conhecimento”, para dar forma ao “novo”, mesmo sendo diabólico. A Ciência dava passos sérios em direção ao domínio das mentalidades, com sua forma racional de proceder. E a população reagia, com o horror do que tais descobertas poderiam acarretar, pois mais uma vez o homem deseja ser Deus, cumprindo o destino fatídico de Prometeu. No próprio título da autora, aparece explícita essa informação, “Frankenstein: ou o Prometeu Moderno”.
A palavra “modernização” já ecoa, demonstrando que o solo inglês está sendo germinado por novas ideias, a chamada Revolução Inglesa ou Industrial está a ponto de eclodir. O monstro do Dr. Frankenstein está pronto, agora resta a sociedade, estar preparada para as agruras dos efeitos que essa criação maldita irá impor. Em nome do “progresso” o homem se fez demiurgo, criando algo que foge ao seu controle, sofrendo as conseqüências, as pilhas de mortos diante do calvário operário, como viria expor posteriormente o saudoso Karl Marx.
Só que esse Frankenstein consegue ir além da monstruosidade literária, pois esse conseguiu fertilizar-se, invadindo lares, gerando alienação, animado por um espírito dos mais ferozes, o espírito do capitalismo, que não me desminta as fantásticas percepções de Max Weber em sua “Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”.
Que não sejamos pretensiosos, nessa exposição em desejar impor condições, nem mesmo adentrar lógicas genealógicas, já que no máximo exploraremos as margens de um grosseiro anacronismo. Este ensaio apenas expõe ideias sobre “fato” coincidentes, além de percepções que divagam sobre essa ilustre obra literária. Se morreremos como o Dr. Frankenstein e a criatura permanecerá, quem sabe como nos filmes de ficção que uma inteligência artificial se sobressai, não poderemos dizer. Se conseguiremos matar o “mal” antes que todos venham a padecer dele, é outra interrogação.
O “se” abre muitas possibilidades, mas serão historiadores por vir, assim como outras mentes sensíveis, que irão observar com argúcia, até que ponto criador e criatura travarão essa violenta batalha. Como a criatura produziu frutos medonhos, as gerações estão fadadas a receberem a herança maldita. Se irão lidar com a maldição, feito filhos de Adão esperançosos, entregando-se ao desespero de conviver com o fado, ou se tentarão erradicar o que os oprime, renegando a ideia do criador, é uma coisa que só o tempo dirá.