Sobre Nomes

Lendo a obra “Frankestein” de Mary Shelley, me deparei com uma passagem, em que a criatura do Dr. Frankenstein, tenta aprender a linguagem da fala, observando certa família camponesa. O curioso, é que em suas observações, repara que os moradores possuem vários nomes, o ancião se chama “pai”, a moça é chamada “filha” e “Agatha” e o rapaz “filho”, “irmão” e “Félix”.

Observamos que Lacan trata na obra “Todos os Nomes” sobre uma problematização que também envolve tais questões. Mas o objetivo deste ensaio não é adentrar as explorações lacanianas da fala. Mas pensar na linguagem mais textual. Remetendo as exposições de Jean-Paul Sartre, onde na magnífica “O Ser e o Nada”, faz alusão a essas diversas manifestações de si, como por exemplo, eu, Bruno, escrevo, sou filho, então existiria um Bruno-Escritor e um Bruno-Filho, além de um apenas Bruno.

Pensar sobre os nomes, vai além do mero adjetivar, já que não apenas se refere a qualificar e classificar, como mera referência taxonômica. Mas também numa problemática que envolve essa nomenclatura. Mais do que causas, falamos de efeitos que soam como ecos gramaticais.

Se digo que escrevo, compreendo um Bruno-Escritor, mas para cada um que receba essa informação, compreenderá um Bruno-Escritor diferente, ou apenas Bruno, para outros, apenas Escritor. Também ao assumir essas roupagens de palavras, não revelamos o que somos, nos mantemos fechados, embora expostos num abrir literal. Não podemos dizer que o Bruno se resuma ao Bruno-Escritor, mas podemos perceber que o Bruno-Escritor também faz parte do Bruno.

Nomear faz parte de uma aproximação com o mundo que inteligimos através da linguagem, ao mesmo tempo corrompendo-o em uma falsificação. Já que a palavra não é o que ela representa, mas se apresenta como possibilidade do representado. Diria que servem para possamos nos problematizar de forma virtual. Já que ao dizer por exemplo, Bruno-Escritor, pressupomos deduções do tipo: o Bruno escreve; talvez o Bruno leia; o Bruno pode ser lido; e por aí vamos.

Essa virtualização que os nomes permitem, criam possibilidades. Ou seja, quando nomeio como professor, a princípio temos duas possibilidades, um que ensina e outro que aprende. Mas para tais associações, é preciso ter alguma noção acerca do que é ser professor ou de algum sentido acerca da palavra. Dar nome é dizer algo sobre, o que implica os sob ou sub incorporados, diria que mais do que cima e baixo, são relações transversais, que cortam os nomes, já que as letras antecedem a palavra. Sem contar o âmbito fonético.

Temos ainda uma concepção heideggeriana nisso, pensando no Dasein. Já que este ser manifesto, se faz presente na linguagem, não se revelando em si, mas repercutindo como um revelado nessas ressonâncias gráficas. Voltando ao exemplo, nem o nome Bruno separado, é o ser que o porta em si, apenas uma característica de seu registro de nascimento, afinidades paternas em questões nominais, etc. Mas é uma das possibilidades de saber que Bruno existe, uma forma de outros terem acesso a uma possibilidade de Bruno. Já que o Bruno em si, é algo inapropriável.

O objetivo também não é pensar em algo oculto que as palavras remetem, como um imperativo categórico kantiano. Já que penso em perspectivas menos logocêntricas, ou teológicas. As palavras projetam o sujeito, numa relação de linguagens, causando aproximação e afastamento, tanto no campo subjetivo, como o representado, que fica nos bastidores de seu representante adjetivo, quanto objetivo. Nossa caso objetivo, temos afastamento e aproximação. Pois dizer que Bruno e Cláudio possuem CPF, aproxima-os em objetivos comuns, mas afasta, a medida que cada um possui um número de registro.

Somos todos os nomes, mas todos os nomes não podem dizer que nos são. Experimentamos esse desprendimento, que hoje vemos expresso com maior clareza na internet, pois desdobramos em atos que fogem a nossa presença. Pois quando Bruno se torna um CPF ‘X’, ele é registrado, mas seu número de registro corre independente de sua vontade, sendo acessado por inúmeras pessoas que nem se dará conta. Efeitos que gerarão outros efeitos, até mesmo quando já tivermos morridos, os dados continuarão a circular, reproduzindo uma espécie de fantasmagoria de nosso ser.

Mais uma vez podemos evocar Sartre, que expressava que o Ser uma vez existido, mesmo morto, continuará se fazendo valer, mesmo enquanto Ser-Morto. Um prolongamento além de si, fugindo ao Ser-Aí de Heidegger, uma problemática de Michel Serres que Pierre Lévy expõe no seu “O Que é o Virtual?”. O Ser-Além, quem sabe uma prévia do übermensch idealizada por Nietzsche. Falamos de um mundo de efeitos, nós como ecos de outros tantos ecos. Daí a não existência do Ser-Em-Si, nem mesmo a metafísica de outrora, muito menos o Significado de Saussure. Somos significantes de significantes, pensando em Deleuze.

As palavras são significantes, veículos que usamos para dar eco a esse Eu-Significante, repercutindo um eco que busca o máximo de espaço para se propagar. São elas que aprendemos nas primeiras pronúncias, antes de dizer “Francisca”, aprendi a dizer “Mãe”, depois obtive “Mãe”, “Francisca”, “Carinhosa”, “Amiga”, e tantos outras formas de dizê-la. A variabilidade permite poder dizer mais sobre, como num texto que o vasto vocabulário ilustra para diminuir redundâncias. Mas algumas redundâncias são tão convidativas. Quem nunca repetiu Amor a quem ama sem se preocupar com redundância, no máximo se inspirou num eufemismo.

Penso em Michel Foucault em seu “As Palavras e as Coisas”, pois Coisas são Palavras e Palavras não passam de Coisas. Um indefinido que se faz definir. O que significa ser Bruno pra mim ou Clarice pra você? Implica que eu seja masculino, mas e se Clarice for travesti? O que é ser feminino ou masculino? Devemos adotar a postura de Krishna e dizer que somos todos os nomes, ou a postura de Jeohvá e Amon, deixando sempre o sentido oculto?

Mas também podemos conceber uma leitura personalizante das palavras, quase uma numerologia, chegando a deduções bem interessantes sobre cada um. Bastando para isso reunir o máximo de nomes referentes a alguém. Saber que um sujeito é médico, casado, pai, amante, brasileiro, escritor, ateu, motorista, já possibilita uma série de associações que permite traçar perfis. Quanto mais nomes associados, mais formas de adentrarmos as possibilidades acerca de alguém, pois estaremos em contato com escolhas, lógica de resultados por associações funcionais. Enfim, não é a toa que pessoas tem sofrido nas páginas da web de relacionamento virtual, problemas até mesmo de seqüestro, estelionato, já que disponibilizam uma enorme gama de informações sobre si, facilitando serem alvos de determinados indivíduos.

Concluo que não somos a partir da linguagem, mas podemos também ser através dela. As palavras são veículos, só que num sentido bem mais amplo em suas relações, pois faz trocas, simbioses, possibilitando projeções, transformações. Podendo ser construídas por milênios, depois continuarem hibernadas por outros milhares de anos. Até que sejam novamente vistas e projetadas, como nós fizemos com escritas hieróglifas, cuneiformes e tantos outros símbolos que foram os resquícios de outros seres projetados.