Nietzsche e Alzheimer ou a Teoria do Esquecimento

Entre os escritos que marcaram a produção intelectual do filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche, encontramos na obra “Escritos Sobre História”, uma problemática sobre questões históricas contemporâneas ao pensador, aqui destacamos o “esquecimento”.

Nietzsche chama a atenção para um problema recorrente aos historiadores de sua época, assim como de gerações anteriores, que seria a memorização. Ele renega esse culto a Mnemosine, ressaltando a necessidade de uma ruptura com essa memória que tem como pressuposto uma linearidade, tanto factual, quanto cognitiva.

Dentro de sua exposição, ressalta que seria impossível memorizarmos tudo, o que demonstra nossa incapacidade de armazenamento que de forma geral, julgam que a humanidade, dentro de uma perspectiva histórica, deva ter. Como se estivéssemos num processo construtivo, estruturalista, evolucionista, continuum, etc.

Na mesma lógica, apresenta argumentos sobre os efeitos nefastos do não esquecimento, já que nós, de forma geral, recordamos de quase nada em relação ao que experienciamos. Salientando que a recordação de fatos dolorosos, seriam mais traumáticas do que benéficas.

Coincidentemente ou não, surge Aloysius Alzheimer, que foi contemporâneo a Nietzsche. Tal psiquiatra alemão, teria sido o descobridor de uma patologia que até então possuía seus sintomas confundidos com outras doenças. Essa patologia causava perdas de memórias gradativas, num quadro neurodegenerativo. A descoberta fez com que posteriormente a doença recebesse o nome do descobridor Alzheimer ou Mal de Alzheimer.

Gostaria de expor minha não concordância em termos de determinadas áreas, como as médicas, carregados de atributos morais, como “Mal de Alzheimer” ou “colesterol bom”. Mas neste ensaio não tratarei dessa questão de linguagem.

Temos no final do século XIX e início do XX, dois alemães, um filósofo e um psiquiatra, observando o fenômeno do “esquecimento”, um salientando como um bem e o outro como mal.

Pensando até mesmo nesse corte entre séculos, assim como todo um processo de transformação das mentalidades ocorridas nesse período, enxergamos o esquecimento não apenas como um fator de pouca importância, mas como necessidade social que viria marcar um novo padrão social, que desemboca nos dias atuais.

Desde os filósofos gregos da era denominada socrática, temos essa supervalorização de um logos ou ratio, tendo como cume a universalização cartesiana. Os desdobramento geraram as chamadas “épocas das luzes”, além de todo um pensamento batizado de “ocidental”.

A valorização excessiva da mente, fez com que a busca pelo homo intellectus, fosse uma constante. Tendo a constatação em nossa contemporaneidade tecnocrática. Nessa lógica de superexcitação mental, valoriza-se o armazenamento, basta ver os sistemas que tendem a superar nossa capacidade de arquivar, como os computadores.

O culto a razão, fez com que surgisse diversas rupturas com essa idealização social, basta constatarmos diversos estudos feitos a partir dessas perspectivas de resistência, a título ilustrativo cito Michel Foucault, Gilles Deleuze, Fèlix Guattari, entre outros. A proliferação da chamada “loucura”, assim como “distúrbios” verificáveis, a saber, esquizofrenia, por exemplo. Demonstra um desejo implícito que se faz explícito de não se padronizar ao integralismo da ratio.

O Alzheimer aparece como ruptura extrema, no sentido degenerativo, causando a deterioração em vida da razão. Fazendo com que o portador, renegue todos os valores considerados imprescindíveis na ideia de memorização, a saber, o reconhecimento, equivalendo ao acúmulo de informações recebidas, bem como possibilidades em adquiri-las. Já que sua razão será composta por frequentes desrazões, quebras, cortes de fluxos, não confluência, interrupções aleatórias, fuga de padrões.

O curioso, é que apesar de não haver uma “cura” para essa “doença”, existem medidas preventivas, entre elas, o estímulo do raciocínio, mais um apelo a razão. Estimulamos tanto a ideia de que mudamos, que a realidade se transforma, que é linda a perspectiva de a cada manhã sermos um outro em comparação ao que fomos na esfera passada. Entretanto, ao nos depararmos com o organismo reagindo de forma a não se estabilizar, denominamos doente, triste, algo de natureza quimérica.

Nossa sociedade é de Relações Alzheimerianas, já que o fluxo de informações nos leva sem que possamos dar conta dele. Soterrados nessa racionalização bruta, que esmaga a mente, desde as primeiras mostras de percepção cognitiva. Cada vez mais nos fazem lembrar do supérfluo, causando o esquecimento do que seriam nossos valores, até o momento que esquecemos a nós mesmos, o esquecimento de si, que gera um grau de alienação insuportável, desencadeando uma ruptura definitiva, o Alzheimer propriamente dito.