A Lógica do Jogo ou A Condição da Miséria
Pensar a respeito do jogo, remete ao que a sociedade contemporânea prega, ou seja, a oportunidade de obter algum ganho em relação as outras pessoas. Este ensaio irá expor uma lógica acerca do jogo dentro de uma problemática que a mesma envolve.
A princípio, considero curioso, uma sociedade ocidental, que se intitula cristã, pelo menos o grosso da população, sendo que seu principal livro prega a reprovação do jogo. Entretanto, nunca se viu jogar tanto. Não sou cristão, muito menos pretendo uma moralização acerca dos que jogam, o objetivo é apenas expor certos aspectos. Primeiramente, um adendo ao comentário feito acima, uma sociedade que prega uma coisa e faz outra, não é inusitada, ao longo da história se demonstram bem corriqueiras.
Voltando a questão proposta, o jogo tem como objetivo um ganho fácil, prometendo ao jogador, obter um resultado que costuma se obter sem muito esforço e em curto espaço de tempo, negando dois fatores a princípios, o trabalho e o processo, o primeiro no sentido de evitar a labuta, o segundo com intuito de se contrapor à lógica do tempo.
Em seguida temos a questão mais crucial do jogo, a lógica dos números. Vejam que o dinheiro, capital ou como queiram chamar, não pode ser fabricado o quanto quisermos, já que o mercado se baseia na lógica de determinados bens materiais que são a nossa “riqueza”. Logo, a moeda apenas representa de uma forma fluídica, esses bens sólidos que estão, em tese, a nossa disposição.
Utilizando um exemplo simplório, se um sujeito possui uma maçã, esse é seu bem, produto do qual irá se servir para alimentar. Vamos supor que sue vizinho tenha outra maçã, que não existam macieiras, ambos só possuindo uma unidade. Neste exemplo, somente existem os dois que habitam o planeta, pensem num mundinho ao estilo do personagem “O Pequeno Príncipe”. Bem, se um dos dois aparece com duas maçãs, salvo algum milagre, mas aqui não tratamos de situações divinas, significa que o outro ficou sem nenhuma.
O mesmo se aplica aos jogos, para um ganhar o outro ou outros, precisam perder. A chamada “Loteria Federal”, milhões jogam, para um ou uns poucos ganharem. Sendo que o dinheiro não vai todo para o ganhador, já que os divulgadores desse tipo de prática, não deixam de abocanhar uma boa parcela. O fato é que o jogador, muitas vezes não possui a noção de que se ganho se dá a base da perda dos outros, ou se torna egoísta como todos os outros que jogam, dizendo que se todos querem se aproveitar como ele, merecem perder o dinheiro investido.
Então, aos jogadores desinformados, quero salientar que sua alegria custará a desgraça dos outros. Seria, como encontrar dinheiro na rua, aliviamos nossa culpa, dizendo que “achado não é roubado”, enquanto quem perdeu, está se desesperando sem saber como saudar suas dívidas. Aqui os ditados que servem para ilustrar seriam diversos como “pimenta no cu dos outros é refresco” ou “farinha pouca meu pirão primeiro”.
Seguindo essa mesma lógica, fica fácil perceber a denominada miséria na sociedade. Mais uma vez, se existe um rico, temos vários pobres. Entretanto, os pobres querem enriquecer, não se dando conta que só farão isso, fabricando inúmeros outros pobres, ou seja, pessoas na condição que ele se encontra no momento. Penso ainda nas palavras de Nietzsche acerca do ressentimento. Até que ponto, somos revoltados com um “rico”, por ele provocar a miséria? Será que não seria ódio, porque desejamos estar no lugar dele, e estando lá, agiremos da mesma forma?
Para concluir, me vem a mente uma obra do Saramago, em que cita o pensamento de um outro pensador lusitano, Almeida Garret: “E eu pergunto aos economistas, políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?”.