Quadro Negro

Quando um professor, adentra os meandros do magistério, uma figura recorrente —esmo hoje com novas tecnologias —, é a do chamado “quadro negro”. Em cursos de licenciatura de pouco tempo atrás, na própria prática pedagógica, demonstravam técnicas e sugeriam exercícios de como utilizar esse instrumento pedagógico. Este ensaio trata dessa ferramenta educacional, que vemos povoar a grande parte das salas escolares no Brasil, em contarmos o restante do mundo.

O quadro negro, foi batizado conforme a estética de cor, mas que variou sua tonalidade com o passar do tempo, assim como sua utilização didática. È nele que o professor transmite sua mensagem, ou também através dele, onde a linguagem falada ganha corpo físico escrito, planificada em dado espaço que serve para condicioná-la, como também se faz de condição aos receptores das informações ali expressas, os chamados alunos.

Esse retângulo quadrilátero, abriga uma gama de informações que costumam ser abordadas no decorrer de uma aula, salvo professores que não seguem tais regras. O fato é que este instrumento sinaliza, muitas vezes através de tópicos, o chamado conteúdo, ou seja, o que se pretende transmitir. O professor é quem manipula esse instrumento, que é ferramenta do seu ofício, por isso precisa ser detentor dessa técnica.

Quando um aluno freqüenta um determinado curso, uma das prerrogativas se refere ao material didático, entre eles, é imprescindível um caderno, fichário ou outro objeto que sirva para absorver informações coletadas. O quadro é esse objeto de absorção numa esfera social.

O caderno é restrito ao sujeito que o possui, no máximo, ao olhar do técnico, que como um médico, deve examinar de forma clínica esse que seria um histórico do paciente, ou melhor dizendo, do aluno. Através dele, o professor deve se colocar como sujeito-objetivo, atendo-se a sua função educadora, buscando nessa fonte pessoal, informações que venham possibilitar traçar um perfil, onde futuramente receitará como esse ou aquele deverão se portar para atingir os objetivos pedagógicos, que para o aluno, pragmaticamente falando, seria a nota.

O quadro é o caderno do professor, mas não com aquele aspecto de apresentar a instituição, como seu plano de aula, etc. Seria também apresentado a instituição o quadro, mas não somente, ele serve de apresentação referencial ao docente, como de referência educacional aos alunos, Ele interliga os pólos: instituição, professor e aluno. Na impressão que esse instrumento transmite, temos a prova do que o professor lecionou, tanto para o aluno ter acesso após a aula, como para o professor se programar durante a aula, quanto para a instituição monitorar o andamento da aula.

Como o caderno e outras formas de espaço para absorver informações, o quadro negro possui seus limites, as bordas, além de toda uma gama simbólica que o professor se serve, podendo criar inúmeras margens, temos inclusive o quadro em faculdades de arquitetura, todo quadriculado, imitando a disposição daquelas folhas quadriculadas que nos deparamos em aulas de Geometria. Mas essa questão entra nas mudanças estéticas do quadro, onde muitos agora são brancos ao invés de negros, usam canetas em vez do famigerado e alérgico giz, além de tantas outras inovações. Que o digam os professores com projetores, data shows, etc.

Esse instrumento educacional, também se faz objeto de poder. Daí a necessidade de muitos alunos, na ausência do professor, usarem um giz sorrateiramente para fazer suas inscrições, deixarem sua marca, adquirirem pra si o poder. Daí a necessidade que o aluno, em uma apresentação, se dirija a ele, ao quadro, mesmo sem utilizá-lo, deve ficar em frente a ele, que é a referência de uma sala.

Dentro da perspectiva de poder, é utilizado pelo professor para enaltecer ou denegrir um aluno, exaltando ou humilhando. Pois o aluno no quadro, é como se tivesse seu caderno exposto para todos, não mais no campo do sigilo técnico do professor, mas sua personalidade averiguada por todos, onde existe o conflito direto de interesses. O professor exposto, possui o saber-poder, foi instituído para exercer. O aluno exposto, é passivo de manifestações dos seus “iguais”, o que significa que qualquer “falta” será pouco tolerada, a ele não será admitida uma defesa que tenha o peso da do educador.

A condição do aluno é pior, pois está em ambiente hierarquizado, ali, ele ocupa um lugar que não é dele, os alunos estão abaixo do professor — de acordo com um visão pedagógica, que por mais que se tenha dito superada, ainda persiste nos meios educacionais —, tanto que em muitas escolas, existia uma elevação onde o educador se posicionava, para deixá-lo acima.

O quadro negro é passivo de tudo receber, mas as regras institucionais deixam claro que não é para nele tudo incluirmos. Talvez a estética de cores, no início, possa até ter seguido alguma vã ressonância iluminista, onde as trevas daquele espaço, receberiam a luz, ou seja o giz branco, com o conhecimento. Seria o modelo de tabula rasa de John Locke?

Esse aparelho estético de informações, apresenta que é o professor, ou como ele se deseja apresentar. Assim como, o caderno do aluno, embora ambos possam ser falseados, por saberem previamente, que no primeiro caso, existe o olhar institucional e dos alunos —embora a preocupação maior seja com a instituição —, e no segundo caso, o olhar do professor e dos pais ou tutores.

O quadro negro também dá referência de tempo, nele o professor discorre ou escorre o assunto em letras que geram pó de giz, mas quando é interrompido, para ler, pensar, ou mesmo por chamar a atenção de um aluno, tem-se a impressão que conseguiram parar a aula. Daí a necessidade de muitos alunos em interromper várias vezes a escrita, causando rupturas de tempo durante uma aula, não deixando o conteúdo do quadro ser exposto por inteiro. O professor se esforça, traça sua estratégia, mas conseguir aplicá-la são — como diz o ditado— “outros quinhentos”.

Outra função do quadro negro, também no âmbito de informação, é servir de mural, nele são transmitidos recados. As pessoas sabem que precisam olhar para ele na sala, nada mais justo que essa tela que obviamente será focada, seja a portadora de informes, ainda mais se estes são institucionais, já que os desse tipo, são considerados mais “importantes”.

Enquanto em nossas casas, as janelas servem para contemplarmos o mundo de fora, o quadro é uma janela introspectiva, ela te priva do mundo de fora, ou diz te abrir o “mundo do conhecimento”. Uma outra dimensão em uma parede dura, onde é sua imaginação que deverá criar algo daquela paisagem dura, ao contrário do mundo de possibilidades que uma janela de residência nos possibilita num leve abrir e fechar de pálpebras.

Por fim, o quadro negro nos deixa quadrados, presos em sua forma reduzida, prendendo o sujeito em vários outros quadrados: como as paredes da sala de aula; a cadeira onde se posiciona para assistir o professor; o caderno que receberá as informações formatadas; o uniforme, que é forma una de ser; o discurso regrado; a tutela da família, sociedade (outros alunos, vizinhos) e instituição (professor, escola, Estado); e tantos outros enquadramentos que cortam cada um de nós, para que caibamos nessa caixa... de Pandora. Mais ainda resta a espera da esperança.