Morte Conceitual

Este ensaio parte do pressuposto lançado por Nietzsche, onde pude contemplar na monumental “Vontade de Potência”, que o filósofo é o criador de conceitos. Depois, embasada por Deleuze em diversas obras, além de outros adeptos ou não da percepção nietzscheana.

A princípio, não irei expor o que seria um conceito, por já ter sido abordado por diversas teorias, embora me tenham agradado em especial a do Foucault e do Deleuze. O fato, é que ao criar um conceito, temos uma função crucial a priori, que seria a morte ou destruição de outro ou outros conceitos.

Os exemplos são inúmeros, vou sugerir a episteme, por exemplo, onde podemos buscar desde a chamada Grécia antiga, os primórdios dessa noção, que viria desenvolver a chamada epistemologia, moldando um continuísmo, que a minha modesta percepção, teria sido rompida finalmente por Nietzsche, séculos depois dessa formação conceitual. Se desejarmos, podemos utilizar a reflexão, outra forma de prisão, onde sofremos os efeitos do espelho, sempre a refletir, numa reprodução de simulações, ou uma infertilização. Ainda poderemos nos dar ao luxo de usar a dialética, seja a grega, passando pela hegeliana, caindo na marxista, não passamos de fantoches presos a esses toscos fios conceituais.

Decreto a morte de todos os aqui citados, episteme, dialética, reflexão, podendo estender a lista com dasein, übermensch e tantos outros. Pois chamo de conceito-funcional aquele já determinado ao fim. Já não disseram que o homem é o único animal que tem consciência do seu próprio fim? Pois bem, devemos também remeter essa conscientização a esfera conceitual. Todo conceito deve morrer.

Este princípio de sentido histórico, tão abordado por Michel Foucault, já antecipado por Nietzsche, decreta a necessidade de transcender, no sentido de ir além, como o filho que nasce para corroborar a sentença de morte dos pais. O novo surge aniquilando o passado.

Quando damos corpo a um conceito, é justamente para que ele possa ser morto. Como fizeram com o deus judaico, corporificado em cristo para ser aniquilado, conforme ressalto Friedrich Nietzsche nas palavras de seu Zaratustra. A temporalidade demonstra a alternância do homem ao longo do tempo, a sociedade muda, assim como seus valores, sua moral é variável, seus princípios serão fins em dado momento, por mais que a chamada “tradição inventada”, nas palavras de Eric Hobsbawm, venha tentar convencer de sempre ter existido ou que se fará perpetuar.

O rio heraclitiano continua a correr, a força de suas águas são arrasadoras, carregando com sua corrente, o que tenta se fazer de empecilho. Conceitos tentam represar o fluxo, mas só comportarão a carga até dado momento, mas a todo instante vemos fissuras, até o dia do grande estouro.

Não se enganem, o Cristo de hoje é o Tífon de amanhã, como o Lênin de hoje é o Stalin de amanhã, porque não invertermos, quem sabe o Lúcifer de hoje seja o Zeus de ontem ou o Hitler de ontem o Alexandre de outros tempos. Já que o enaltecimento ou degradação, irão variar conforme uma gama de fatores e interesses de dado momento.

Nietzsche já advertia em “Além do Bem e do Mal”, duvidem de todos, inclusive de mim. Fica o alerta aos professores. Aqueles que professam aos outros, aos magos ou magisters, os sábios da magia ou magistério, imbuídos de incutir verdades. Não existe verdade sem mentira e nem mentira sem verdade, alertou Saramago.

Evoco por fim, a imagem de Shiva, seu movimento de construção e destruição recíprocas, o que começa tende a acabar. Com essa analogia clamo aos filósofos, aqueles mencionados por Nietzsche, não os apenas graduados, para que criem para que possamos destruir e com isso movimentar. Lembrando que, quanto maior um conceito, no sentido de sua abrangência de aceitação e permanência ao longo do tempo, não significa que tenha essa estrondosa força em si, mas que serviu-se de diversos outros conceitos para se auto conservar.

Um “grande conceito” é uma espécie de conjunto que agrega outros para ganhar substância, é um parasita que precisa a todo momento de novos hospedeiros. Vide o exemplo dos cristiniamos, somados ao longo dos últimos milênios, parasitando tudo que encontra com a gana desesperada de manter-se vivo. Mas não diz o provérbio que “não há mal que dure pra sempre, nem bem que nunca acabe?”, então aguardemos.