Patológica Dialética Contemporânea
Pensar na sociedade contemporânea, ou naquilo de mais próximo em nossa trivialidade cotidiana coetânea, faz com quem o sujeito, tenha uma experiência que vem sendo discutida historicamente. Pontualmente, poderíamos datar ou mesmo evocar o nome de um pensador ilustre, com intuito de tentar identificar o “fenômeno”.
O curioso, é que desde a chamada formação de uma “sociedade burguesa” — me desculpem os generalismos — assim como, o denominado “capitalismo”, temos vivenciado relações sociais que desencadeiam séries de pesquisas, onde chegamos a mais um momento de picos, expondo uma tensão na “mentalidade social”.
A dialética aqui proposta, não visa adentrar em meandros de especificidade médica, muito menos a pretensão de desvendamentos de caráter psicológico ou derivados. O víés é filosófico, quiçá especulativo, uma problemática dedutiva de observação, quase pragmática, se não fosse o rigor frouxo de metodologia.
Uma sociedade que se transforma, passa a ser chamada de “consumista”, onde os mercados se expandem para agregar interessados em compartilhar desse ideal, busca-se a realização dos seus sonhos em “bens de consumo”, onde existe uma lâmina que passa pelos diversos segmentos sociais, causando similar impressão nas diversas classes que coexistem.
No desespero de absorver ao máximo essa sociabilidade antropofágica, que busca ser devorada incessantemente, uma oroboros que não se dá por satisfeita. Temos um fenômeno glutão que se evidencia cada vez mais precoce, a chamada “obesidade”.
A fome social, busca esse consumo desenfreado, mas não apenas estético, torna-se orgânico, intrínseco o desejo de destruir comendo, mesmo numa possibilidade defecal, onde eliminamos sobras, que poderão germinar em algum solo.
O obeso come para destruir, como a famosa frase dos beberrões, que exclamam aos quatro ventos, “odeio bebida, bebo para acabar com ela”. Veja que o obeso tenta a todo instante dar fim, através de sua forma de destrutividade digestiva, sentindo seu peso — aqui a expressão podendo ser encarada de forma literal — numa moral que produz consciência de culpa. Sentindo-se responsável, ele se sacrifica, um devorador que tenta conter o que ele mesmo acredita ter contribuído para construir, fazendo-se de portador-ingestor-defecador.
Compreende até certo ponto, que estará absorvendo algo nocivo, como um tabagista que dá boas tragadas apesar dos repetidos avisos preventivos. Só que o obeso não é apenas um suicida potencial, também tenta se resgatar sacrificando, caindo na mescla de moralidade cristã, fazendo-se de pária na tentativa de conter o “mal” nessa glutonaria purgatória, sendo que o defecar, acaba sendo aflitivo, pois não consegue conter em um encarceramento estomacal, aquilo que absorveu. Acaba devolvendo ao mundo esse alimento pútrido, para que volte a contaminar o solo social.
O obeso, hegeleanamente falando, compõe a “tese” dessa dialética patológica, a primeira parte dessa presumível tríade. Espero que tal analogia não promova mais uma fossilização ou um engessamento conceitual, já que a dialética em si, demonstra-se ineficaz, devido a sua gama parca de possibilidades, ficando aqui, apenas o sentido figurado de um entrelaçamento de ideias, que serve como “tosco método” de exposição hipotética.
Diante de tal fenômeno massificante, no sentido que a massa física mais se faz ver, causando um sedentarismo e consequências depauperantes em níveis ou desníveis também corporais. Onde ocorre uma pandemia de obesos proliferando nas sociedades industrializadas.
Uma dialética ao molde hegeleano, não poderia deixar de contemplar uma “antítese”, causando a negação, que é uma segunda afirmação, ainda que obtenha víés repulsivo. Surge a segunda parte, a denominada “bulimia”.
A bulimia é a antítese harmônica, ela renega a obesidade, num ato vomitório, engole-se o mundo, mas antes de digerir esse veneno, regurgita-o, numa espécie de exorcismo. Existe um processo ruminante até certo ponto, mas acaba sendo ultrapassado, tornando-se golfante e logo vomitado.
O bulímico, possui uma maior repulsa por esse objeto social consumido, procura interromper o processo, ainda tenta salvar-se em meio ao seu tormento de culpa moral, não chega ao ápice do sacrifício, pois num ato desesperado, expia através do vômito forçado. A angústia de saber que a digestão não destruirá por completo essa sociedade de asco, que retornará em fezes ainda mais fertilizantes, ou seja, mais pútridas ou inférteis. Ainda existe o fator de não conseguir absorver por inteiro, a repulsa é tamanha, que força a saída, uma luta de corpo contra espírito invasor, chegando ao grande cume, o vomitório.
As duas partes da dialética, a afirmação consumista, em seguida a negação do consumo como ato expectorante, uma segunda afirmação, só que repulsiva, continua engolindo, mas agora faz retornar o engolido, inverte o processo, defeca pela boca. Temos uma boca-ânus que expele dejetos.
Finalmente, compondo o terceiro componente, a tão sonhada “síntese” da dialética patológica, eis que surge a “anorexia”. Nesse caminho aqui traçado, temos num primeiro momento a conscientização que o alimento é maléfico, por isso o desejo de consumo para deteriorá-lo. Sendo infrutífero, apresentamos a negação vomitória, uma inversão digestiva de forma forçada, nos fazemos maquia repelente.
Agora chegamos a sofisticada síntese, onde os dois atos frustrantes, causam um embate que tem por consequência esse terceiro ato, nossa peça em três atos. Se absorver digerindo por completo é nefasto, assim como impedir a digestão, eis que surge a medida contraditória, que renega as duas primeiras faces dialéticas, percebe-se que o melhor seria nem chegar a comer, deixando de provar, abstendo-se por completo.
Sem absorção, nem ato digestivo completo ou interrompido, nem defecação ou vomitório, o fim o consumo. Vira-se as costas para a necessidade de engolir, renega-se o padrão oroboros, rompe o elo. Ainda em concordância com a moralização cristão, o sacrifício agora não se faz capenga, mas é pleno, como o cristo crucificado, o sujeito definha, até chegar a pele e ossos, onde falece em plena satisfação de repulsa.
A destruição do seu corpo irá gerar outro forma de alimento, também dejetos, novas maneiras de engolir, defecar, vomitar, uma nova tese, antítese e tese, com novos parâmetros, quem sabe começando por não comer, passando a comer e terminando por vomitar. Enfim, segue a lógica hegeleana ou não, e espero que esse “não” seja muito mais que uma nova antítese.