Historía
Falar sobre História, remete sempre a questões muitas vezes já discutidas, o que torna o assunto enfadonho. Mas diante de discussões que nas últimas décadas vieram abalar esta que foi denominada ciência, com a própria criação da chamada Historiografia, venho aqui expor mais uma perspectiva.
O Historiador depara-se com uma missão que não não é simples, primeiro se desvencilhar do rótulo de Historiógrafo, utilizado por toda a História, onde tornava-se um Memorialista ao elaborar uma espécie de Doxa dos assuntos expostos.
Dentro de questionamentos feitos, sobre a utilidade da História, fica a questão comprovada da impossibilidade do homem-historiador em apreender essa realidade histórica, cabendo ao mesmo um "recorte", a partir de preconceitos estabelecidos pelo mesmo, servindo-se de uma teorização que vá compor um corpo teórico que ajudará a elucidar suas pretensões.
Só que não podemos, nem devemos, deixar que a História caia numa dogmatização hegeliana, nem mesmo numa esquematização rígida marxista. Estamos diante de algo mais maleável, menos heraclítico, por não nos determos em forças tão metafísicas que movimentam, ao mesmo tempo não despencando em pessimismos grosseiros feitos sob uma perspectiva mal interpretada de Fukuyama.
Nós, seres temporalizados, por uma dedução temporal que é feita a partir da morte, onde concebemos que existe um determinado ciclo, por mais ilusório que seja, determinamos uma temporalização daquilo que desejamos fazer objeto de estudo. Já que o Tempo em si, foge-nos no seu constante devir, onde podemos contemplar uma argumentação heideggeriana a respeito. Cabe-nos dedutivamente, criar uma temporalidade no Tempo, mas atemporal.
A História, por mais datada que seja, só pode existir, tornando-se rígida, atemporal, para manter-se independente do movimento temporal manifesto, cabendo à linguagem uma fossilização dos dados, para uma arqueologia como posteridade de leitura.
Chamo a atenção para a única possibilidade de se fazer uma História, seja justamente negando-a, criando algo não-histórico, de caráter documental no caso do Historiador, onde ele interfere com sua análise, fragmenta e exclui grande parte dos dados, aproveitando somente uma mínima parcela que atenda interesses bem singulares.
Para se falar de algo temporal, precisa se colocar fora do Tempo, mesmo estando inserido nele, a linguagem se torna a ferramenta para negar a temporalidade. o historiador nega sua condição de homem, para servir-se de uma técnica de pesquisa, assumindo outra persona, compondo essa teatrologia social.
Mas essa condição de não-homem do historiador, não o torna imparcial conforme muitos queiram acreditar, mas o coloca dentro de uma gama específica de interesses, muitas vezes fugindo a sua própria compreensão, pelo fato de lidar com algo aparentemente tão distante de sua realidade, embora estejam ligados pelo fator humanístico intrínseco ao que é produzido pelo Homem.
Até aqui, ainda está em voga as dicussões já expostas por diversos grupos de historiadores, mas um fator que deve chamar atenção ao que se depara com a História, não é pensar nessa ideia globalizante que tanta dar conta desse macro estudo, mas buscar análise mais concisas, como no casdo de Foucault.
Utilizo a analogia da pedra lançada na água, aparentemente em repouso, de um lago, onde o impacto causará diversas ondas que se perderão ao longo da extensão aquosa. O Historiador deve fazer isso com sua pesquisa, "lançar pedras", provocar ondas, em diversas direções, com resultados imprevisíveis, por mais que tenha previsibilidade no instante que lança o objeto.
A chamada Arte da História, consiste em saber manejar a pedra, a ponto de poder fazer ela quicar sobre a superfície da água, aumentando o número de variações, ou antes buscar mais força no impacto para causar efeitos mais tsunâmicos. O Historiador deve conseguir balançar algo com sua função, mesmo que num momento posterior se perca na imensidão histórica, como as ondas que perdem efeito.
Com as proposições do Historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior, de que a História é inventada, prossigo na lógica inventiva do fazer artístico, onde mais uma vez, a água no lago já existia antes da pedra lançada, como o objeto rochoso também estava na margem, mas eu faço de um função, para justamente criar efeitos em uma física que a gravidade do ato me permite.
A invenção se faz ondulante, onde alguns receberão os efeitos do ato sem saber a causa, assim como o Historiador é derivado de outras ondas que poderíamos mencionar de forma estruturalizante, pensando nas proposições braudelianas, ou seja, ondas com efeitos de curtas, médias e longas durações.
Mais que um informante, o Historiador deve causar o que deforma, abrindo campos com consequências que venham inclusive corroer os alicerces onde forjou sua estrutura teórica, tornando suas fontes adubo que irá decompor para germinar novos projetos.
O próprio objeto de trabalho do Historiador, o papel, já demonstrou o processo, por isso ele se deteriora ao longo do Tempo, mesmo que possamos salvá-lo com tecnologia, ainda assim não evitaremos a decomposição inteligível, o processo de desestruturação morfológica que a linguagem sofre, a inevitável transformação que acarreta na destruição de um passado.
As fontes em si não causam o processo, é como se dessem o instrumental para se pintar um quadro e pedissem a qualquer pessoa que fizesse a arte, mesmo com modelos e treinamento técnico, não seriam todos habilitados para fazer. Ainda que tenhamos diversos pintores, quantos Picasso, Van Gogh? O quadro de historiadores está repleto, mas quantos deles podemos chamar Historiador?
Não se faz História, pois pressupomos já feita no que se refere ao significado macro que esse conceito recebe, inseridos nela, somos sujeitos históricos asssujeitados a uma historicidade. Nossa arte é historicizante, pois fabricamos conforme um olhar armado de determinado instrumental, fazendo valer a funcionalidade no viés científico, ou a apreensão humanística que aqui denomino Historía.
Porque a História eu relaciono a Histeria (que a etimologia remete ao grego que significa "matriz"), nela nos permitimos reconhecer, procurando a causa das angústias que eclodem no nosso meio, tentando traçar uma genealogia clínica. O Historiador se faz de clínico, tentando captar o que a História possa lhe revelar, para daí traçar seu diagnóstico.
Mais ainda, o Historiador é Histérico, um Históriko, que busca ver o mundo a partir dessa Historía, se fazendo de assujeitado, não percebendo que se colocando enquanto doente, apenas terá visões patologizadas, criando uma História Doente. Mesmo quando tenta se fazer de à parte, ainda cai na histeria dissociativa freudiana, suas fugas estão relagas à neurose primal.
Talvez tenhamos alguma resposta alternativa com referência de Deleuze e Guattari, quem sabe possamos fazer uma Esquizo-História, onde o próprio esquecimento, conforme salientou Nietzsche, terá seu lugar, sem que com isso caia numa deformação do continuismo. A História só se faz nesse prosseguir? E quanto ao tudo perdido ao longo dos anos, que é a maioria suprema do vivido, pois as frações, míseras migalhas recolhidas, não passam de átomos diante do incomensurável não conhecido.
Na busca heraclítica, acabamos nos forjando parmenidianamente, criando regras sobre aquilo que imaginos ser, deixando esse ilusório dado como herança de uma substancialidade inventada. Clio se sobrepõe à outras Musas, com apetite linguístico para forjar leis, criando um Direito que reverbera até os dias de hoje.