A Justiça é Cega

Chamo atenção nesse ensaio para o conceito de Justiça, a figura mítica representada pela estátua, onde se via a mulher com os olhos vendados. Partindo de tal símbolo e da concepção de "justiça cega", como aquela que age sem prestigiar qualquer dos lados da balança que sustenta, venho aqui contestar tal tese.

Rejeito a ideia de que a Justiça seja vendada, para ser imparcial frente ao que se apresenta perante ela. Na verdade a venda representa a não necessidade de intervenção da mesma, nem como espectadora. A aplicabilidade do princípio de jusitça apenas provoca injustiça, tendo em vista privilegiar com ou sem olhos uma das partes.

Mas quando a Justiça se coloca de fora, quando os fatos se apresentam sem que ela nem mesmo tome conhecimento deles, aí sim ela se faz presente, sua inexistência é que garante sua validade.

O grande equívoco da jurisprudência é fazer a justiça, criá-la, moldá-la, deixá-la se exercer, pois essa é uma deidade velada, que age de forma impassível. Ela não deve olhar e privilegiar, e nem ser guiada como uma cega, desferindo golpes a torto e a direito.

Quando um sujeito nasce sem um rim, não cabe dizer que isso é justo ou injusto e procurar determinar as causas, estabelecer parâmetros para classificar entre "com rim" e "sem rim", nem se dizer, "coitado desse" e "feliz daquele", deve-se agir a partir da condição que se faz soberana, que ignora nosso julgamento. As coisas são, independente do nosso desejar que sejam.

Se buscarmos o mito na Grécia "antiga", veremos que a deusa Diké estava de olhos bem abertos, só depois a equivalente romana, Lustitia, apareceu de olhos vendados. Seria já a vergonha dos romanos perante seu Direito?

Pois afirmo que com ou sem olhos, a Justiça deve ser estatuária, paralizada diante da realidade, não interferir, manter-se sem forma, daí a não necessidade nem mesmo da representação em escultura. O mundo justo se apresenta quando a Justiça se cala, pois cada acontecimento já possui em si a lei de sua existência, o que exclui qualquer interferência em seu processo.

A Justiça não é cega, porque não tem olhos, nem mesmo visão, como nenhum dos outros sentidos, ela impera justamente por não intervir, sua presença se faz de sombra, paira sobre o que ocorre como coadjuvante, age apenas nos bastidores, nunca deverá ser colocada diante do público. Seu papel é confirmar, a representação do ideal "quem cala consente".

A Justiça existe onde não existe justiça, eis o que relato. Atribuir a essa divindade velada um papel principal, tem sido um dos imperativos morais mais devastadores ao "homem", pois em nome da "Justiça" se criou até mesmo um "deus justo", onde todos estão autorizados a servir, a comandar, enquanto o mundo ignora essa legislação antropocêntrica.

Pergunte a um leão se é justo ou injusto saborear uma corça, a uma corça se é justo ou injusto pastar ou ser caçada, a um mineral, a uma planta, interrogue os átomos. Quando perceber o quanto é ignorado diante dos fatos, aí sim estará começando a contemplar a justa medida, a Justiça estará bem ali, no seu estado mais inerte.