A Lei de Talião
A chamada "Lei de talião", tão comentada por causa da referência critsã ocidental, demonstra-se ineficaz em sua aplicabilidade, pelo sentido não lógico que representa. O estabelecimento penal desse antigo "Direito", remete a um princípio de reciprocidade entre crime e pena, como se alegasse justiça por conta do seu "toma lá, dá cá".
Mas o nome já indica, ela mutila, refere-se a retaliar, retirar um talho do criminoso como expiação pelo crime cometido. Os antigos legisladores alegavam que era em conformidade com a sociedade, pois o culpado se arrependeria por sofrer o dano que infligiu.
Eis a problemática, jamais um ato cometido poderá ser reparado, o sujeito sentenciado não somente não conseguiria reparar o considerado "delito", como sofreria um segundo crime contra si, tornando-se vítima de um outro que se faz de terceiro.
A improcedência primeira, que se faz gritante, na Lei de talião, é o não cumprimento do seu discurso, pois será impossível reparar o "crime" cometido, retirando a priori o seu caráter de justa reciprocidade.
Numa segunda instância, temos a alegação de que o sofrimento causado, promoveria o arrependimento do "criminoso". Nesse caso, a sociedade exclui o princípio de "cidadão" do réu e o transforma em algo à parte, para poder aplicar a ele um ato tão criminoso como o que ele perpetrou. A sociedade se torna criminosa para punir o sujeito "deliquente".
Num terceiro ponto, temos o culpado tornando-se vítima, mas ainda assim não existe reciprocidade. Tanto por essa vítima de agora não ser condenada pela de outrora, no máximo por um simulado, que seria a sociedade que se faz de vítima, mas elevando o ato de seu crime ao todo que o social representa. Desta forma, a sociedade é muito mais cruel para com o condenado, pois age sobre ele com o peso de todos contra um, alegando que ele ao agir contra um, feriu o estatuto e por isso afetou o "todo".
Ainda me detendo nesse terceiro ponto, a sociedade representa o "Todo", nessa totalidade está incluído também o criminoso, então o ato criminoso do sujeito não poderia se desqualificado e nem considerado como interesse indiferente ao do restante social. Pois mesmo que assim fizessem, a sociedade também estaria sendo injusta, por atribuir à ofensa contra uma vítima, como sendo algo no âmbito da ofensa pública, sendo que nenhum crime ofende a sociedade de forma homogênea.
Que fiquem registratos os argumentos de dois grandes pensadores, Cesare Beccaria, que já apontava a ilogicidade entre o delito e a pena, assim como, John MIlton, que salientava a não vontade de um já ser uma contradição a ideia de consenso. Ainda que seja levantada a bandeira da democracia, como "valer a opinião da maioria", Tocqueville irá questionar a que maioria estamos nos referindo, pelo caráter de fragmentação de interesses no corpo social.
Na quarta esfera das críticas aqui esboçadas, temos o efeito de comparação utilitário, já que citamos John Milton no parágrafo anterior. Um sujeito que tem uma mão improdutiva amputada, não terá como justiça se o seu algoz tiver uma mão produtiva também amputada como forma de reparar o dano. Uma mão improdutiva surrupiada causaria menor dano à sociedade, já a suposta mão produtiva do criminoso, acarretaria maior vantagem ao todo, no sentido democrático, por ser mais útil à maioria.
Ainda que duas mãos produtivas fossem apuntadas, a sociedade perderia duas vezes, e os efeitos afetariam esferas inimagináveis, já iria tolher o todo de duas funções que lhe são necessárias, perder uma por um fator atípico, ainda poderia ser alegado como grave crime, mas depois causar um dano a si, apenas a título de exemplo, parece algo contra-produtivo e deveras ineficaz, na relação entre dano e benefício.
Na quinta crítica, temos o fator moral, tendo em vista o exemplo da mutilação servir para que outros não venham a repitir tal ato. O argumento moral é falho à medida que a sociedade se faz de imoral para punir, além de deixar margem ao criminoso futuro, ter conhecimento acerca de causar não apenas um dano imediato no seu ato, mas também uma segunda espécie danosa secundária, que é quando sofre a pena e com isso também mutila a sociedade. Convenhamos que se o criminoso é considerado imoral por romper com o estatuto social ao cometer um crime, ele não irá se importar em uma segunda instância continuar a denegrir esse mesmo status social.
Claro que surge alegação acerca do dano sofrido pelo criminoso, também ser de caráter privado, pois invade os domínios particulares do sujeito, colocando-o à disposição da sociedade. Aqui nasce o engodo, a particularização também é imposta pela sociedade. O criminoso ao romper com o social, também está colocando em xeque a particularização que lhe foi ofertada, sua atitude drástica demonstra a coragem para romper, e isso equivale abdicar do "Corpo Enquanto Estatuto".
O "marginal" demonstra mais uma sofisticação além do "Socius", ele rompe o "contrato", deixa de ser "sócio", abre mão do Corpo Enquanto Estatuto, fazendo com que a punição não caia sobre ele, mas sobre aquela "vestimenta" de outrora. Seu corpo aviltado é a representação do "Socius Corpo", a sociedade pune ela mesma ao alegar punir um outro desligado dela.
Eis o sexto argumento, a sociedade não podendo punir o delito em si, pune a si mesma, tentando assim expiar aquilo que lhe fugiu ao controle, marginalizando uma parte sua, como uma forma de compensar a primeira lacuna criada pelo sujeito, ela promove uma segunda lacuna, essa de forma simulada, um rito simbólico para tentar exorcizar esse espírito que sempre está pronto a lhe escapar. Como num enterro, após a morte, o Socius cria um velório para que ocorra conformação com o ato irreversível, uma tentativa não de desencorajar os atos que ela sabe que irão emergir num processo natural de negação da mesma.
O movito da expiação não é sucumbir o crime, mas revigorar a crença na sociedade, de que devem continuar confiando nela, uma tentativa de consolo aos que permanecem inseridos no meio social. A catarse da dor promove o espetáculo ritualístico que fortalece o "habitus".