O Fantasma
Fala-se muito acerca dos fantasmas, esses seres espectrais que se desprendem do dito "corpo material", transformando em algo etéreo. Mas ao pensarmos a respeito de tal fenômeno de nosso imaginário, proponho um ensaio mais próximo do eu.
Sim, penso no fantasma como representação do ego, pois ele é aquilo que se desprende de nós, no que foi concebido sendo "corpo físico", transcendendo, criando uma realidade paralela.
Só percebemos este eu, excluindo o estado em que nos encontramos, pois quando se dá, ou seja, quando ele é, não poderá ser percebido. Por isso, nos matamos para fazer aparecer o fantasma, nosso ego espectral de caráter mítico, conforme exposição já tratada em textos tanto de Jaques Lacan como Gilles Deleuze. Não que ambos tenham idênticas análises sobre a questão, apenas cito como fonte de pesquisa para aprofundar acerca do tema.
A morte real exclui qualquer possibilidade viva, logo, a manifestação fantasmagórica, para ser compreendida pelo vivo, assuma um aspecto de misticismo, tornando-se simbólica. Um duplo em relação ao que somos, deixamos de ser percebendo-o, nos colocamos em estado parecido ao de uma "viagem astral".
Saímos de nós mesmo sem excluir definitivamente aquilo que fomos e seremos novamente, num processo de saída-interligada, pois os laços nos fazem pender mas não perder-se.
Se formos analisar, notaremos outra característica interessante, o fato do fantasma ser idêntico a forma do sujeito que ele era em vida, o que equivale a sua parte de eu que foi, de forma narcisística, relegada ao campo da espiritualidade, ultrapassando a limitação carnal e projetando-se num além.
Não se mata um espírito, porque fatalmente mataria o sujeito que o concebe, ou seja, o sujeito se desintegra sem o seu eu, ambos fazem parte de um processo analógico, aqui exemplificado dual, para dar ênfase a tal representação. Mas não devemos nos deter em algo tão pontual, pois tal concepção é muito mais ampla do que esse zoroastrismo vulgar.
Não existe sujeito sem eu, mas existe eu sem sujeito, daí o fantasma estar no além, ele extravaza a condição do um, manifestando-se por outros eu capitadores, que irão servir de catalizadores ao espectro errante.
Como se dá essa persistência do eu, mesmo com a morte do sujeito?
Isso ocorre a partir do reconhecimento de outros eu's, ou seja o Outro assume o imaginário de tal representação, ao conceber o ideal a respeito daquele sujeito de outrora, avivamento memorial, que edifica esse sujeito-símbolo, criando uma imagem que se mantém no tempo presente, por ser reafirmada na esfera imaginativa.
Esses fantasmas assombram os vivos, justamente por familizarem-se com o eu persistente, conflituosa relação onde o ser está diante de um não-ser representativo, ou mesmo em sua própria representação simulada neste símbolo-fantasmagórico, pela valorização dada a esse ente que persiste.
O sujeito que imagina não deixa de ser, mas se faz assim de forma imaginativa, no campo hipotético esse se lança num deixar-de-ser, criando num mesmo instante um estado de vivo e morto ao mesmo tempo, no caso fantasmagórico morto-vivo.
Curiosamente a religião aponta o fantasma, espírito, alma, enfim, esse ser etéreo, como não vinculado às vicissitudes terrenas, aos instintos básicos da carne, o que podemos associar a uma tentativa de diluir o que Freud chamou de "Id", pois o ego é remetido a uma esfera que pressupõe não sofrer a influência de seus desejos básicos.
Com o desprendimento da sociedade, também busca-se uma tentativa de aprisionar o Superego, sendo que existe uma armadilha nesse plano religiosamente traçado. Pois a estrutura moralista continua agregada ao sujeito, assumindo a função de moral-divina, que é dogmatizada e procura tudo abarcar.
Sob tal perspectiva, elevamos junto com o ego nosso superego, criando um fantasma que tentou apenas dissolver um dos planos de sua referência existencialista, gravitando entre esferas transcendentes, que ainda mantém um estado de confronto nesse plano do imaginário.
Daí a resolução hindú na concepção de um Nada Absoluto, onde tentaria diluir as três esferas, não mais ego, não mais superego, não mais id. Pois a moral só é conflituosa à medida que nos é dada como referência, mas não a vivenciamos plenamente, pois quando ela passa a ser, deixa de ser moralizante, tornar-se prática, uma ação constante, ele se torna um é.
Da mesma forma, temos a perda da superstrutura do superego, fazendo com que o próprio ego seja diluído por não mais ter as referências adequadas, restando apenas o id básico, também expurgado pela nirvanização do não-sentir.