Na porta da igreja

Estive observando outro dia os rostos das pessoas na porta da igreja de fronte à minha casa. Era um velório e os rostos estarrecidos, descortinavam certo pavor, talvez diante da sentença inglória e inevitável de algum dia serem coadjuvantes deste teatro triste, macabro, silencioso... As árvores pareciam pactuar desta atmosfera lúgubre, agregando à cena generosas doses de efeitos sombrios. Os sons dos seus galhos misturados aos soluços de alguns, suspiros d’outros, sussurros, falácias de tantos outros. Curiosos, abalados, sôfregos, consternados, patéticos, vazios, irônicos, zombeteiros... Tantos rostos.

O morto: estanque, inerte, oco. Possivelmente digno de soluços, de saudades. Quem sabe merecedor de algum pedido de perdão, quem sabe alforriado de alguma dívida... Expiando em seu leito, alheio às dores, espectro de cera...

O cortejo silencioso segue, executor do ritual, missão cumprida. E a praça da igreja agora vazia de tristeza, de dor, espera encher-se de risos, flashs, pompas para receber magistral o ritual da conjunção, da comunhão, do casamento. Vazia, não mais. Agora recebe nova roupagem e as árvores ao seu derredor festejam, riem-se das peruas esvoaçantes, dos pingüins eriçados, da palidez do próspero cônjuge à espera insólita daquela que brilhará absoluta, quase esquecida do outro, absorta pela plenitude do momento. Bela, suntuosa, consciente do seu próprio esplendor, certa de que tudo além dela é discretamente opaco.

Verdadeiro orbe se dá à porta da igreja. O silêncio de outrora, cortado pela euforia, risos frouxos, comentários capciosos, olhares que viajam atentos a cada detalhe, buscando gafes, escândalos, talvez apreciando simples e ingenuamente trajes, decotes.(ingenuamente talvez, nem tanto). Vale tudo, até emoções verdadeiras, sorrisos francos misturando-se aos plastificados.

Alegóricos, caricatos, superficiais.

A porta da igreja abriga o miserável, o inocente, o culpado, o rejeitado, o diferente, o semelhante.

Espiando a porta da igreja saio para fora, olho para dentro, vejo em mim tantos daqueles rostos. Sou tantos rostos...

Valéria Escobar

Um sábado qualquer em 2004

valeria Matos Escobar
Enviado por valeria Matos Escobar em 21/03/2011
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