A Negação da História
Ao longo do desenvolvimento humano, principalmente a partir de um certo desenvolvimento intelectual, tem-se percebido uma necessidade em negar-se. O ensaio aqui exposto pretende expor mais uma contradição articulada em uma necessidade existencial de negar-se, enquanto condição imprescindível de perscrutação ontológica.
O "homem", desde as mais remotas representações, observa a si em uma conjuntura na qual está inserido e ao mesmo tempo excluído por seu próprio mérito, tendo em vista que talvez a argumentação de Auguste Comte tenha certo sentido, levando em consideração a necessidade de exteriorizar-se para uma compreensão analítica, pela impossibilidade de ação e análise em consonância.
Tal proposição nos remete ao longo do tempo a diversas formas de negação do sujeito humano, desde os ritos de culturas que posteriormente viriam ser chamadas pagãs, ou mesmo as ditas remotas "primeiras civilizações", ou adiantando-se acerca do berço ocidental, perpassando por um referencial greco e romano, vindo ao período medieval, se desmembrando em momentos chamados iluministas, modernistas, contemporâneos, ou qualquer outra idéia que se conceba para um deslocamento espaço-temporal.
Dentre tantas abstrações que remetem o homem a sua condição de não-ser, o ensaio aqui proposto procura enveredar-se no campo da História, essa tão contraditória ciência de agora e literatura de outrora. Muitos poderiam discutir acerca do que vem a ser literatura ou ciência, mas não caberá neste momento tais explanações, restringindo a análise para uma tentativa elucidativa acerca da negação humana.
Quando nos deparamos com um texto, a princípio é notório o objeto linguístico inserido em uma projeção simbólica, restringindo o campo de atuação às dimensões expositivas concernentes a fatores espaço-temporais, tendo em vista a gama de objetos interagindo para a composição do que se faz exposto.
Não se deve excluir o processo cognitivo que possibilitou uma concepção do que viria externar-se enquanto objeto, sendo que o homem, apesar de concatenar as idéias, mais ainda, concebê-las, torna-se excluído no “campo das idéias”, fazendo-se apático no campo cognitivo, pela passividade permissiva orgânica em um processo neurofisiológico em permuta com o "mundo" que interage, ou seja, a materialidade que cerca e contribui para um encadeamento psíquico.
O homem está presente nesse psiquismo, mas não concebe tal inserção no ato em si, interagindo conforme um sujeito oculto, sem que precise mencioná-lo, pois é pressuposto lógico de tal fenômeno.
Na tentativa de regaste a si, o homem projeta na materialidade suas angústias psicossomáticas, excluindo-se em uma segunda etapa, agora materializante, produzindo uma linguagem articulável a regras que escapam-lhe dos sentidos, remetendo-o a uma semiótica acerca de tal "produto", excluindo o cogito que a princípio fundamentara-o, posibilitando uma abstração materializada ex fato.
A escrita, materialização da linguagem, ainda mais regimentada do que a volubilidade da fala, possibilita o registro da manifestação humana, postergando um momento e outorgando um legado, e presume-se daí uma historicidade. Deixando claro que o termo historicidade aqui atribuído está despido das associações pejorativas acerca do mesmo, o que percebe-se pela proposta do texto aqui exposto.
Ao depararmos com a História, - tendo o próprio nome que denomina tal ciência, algo um tanto quanto esotérico, vide as associações que remontam ao mito grego de Clio - observamos a priori, uma tentativa de humanização, seja individualizante ou socializante, abrangendo a insondável tentativa de abarcar o que se compreende por sociedade e toda sua amplitude, tendo em vista que o social em si pertence a esfera abstrata, tornando-se universalizante em perspectivas lógico-dedutivas.
Mesmo que se leve ao campo privado, tentando "dar conta" de um indivíduo que seja, ainda seria impossível pela capacidade extrapolante de um ser, com toda uma intersubjetividade além da compreensão exterior que até certo ponto contribui em sua formação.
Quando fala-se em espaço e tempo, aí sim, nos vemos totalmente distantes do fator historicizante, tendo em vista as lacunas temporais intransponíveis, além do fator espacial que condiciona o que existe a uma certa dimensão disposta.
O homem fala de si através da História, excluindo-se, omitindo-se nas entrelinhas e regurgitando-se em uma vociferação simbólica que emerge como negação de si, fazendo-se patente em consonância com o humano ausente.
Outro fator observável é o desenvolvimento sob uma perspectiva histórica, imaginando todo um processo construtivo continnum, não de forma progressiva determinista, mas em uma lógica evolutiva no sentido civilizacional, onde existe uma construção epistemológica que remete a uma gênese epistêmica, ou mesmo a partir de formas com dimensões mais abrangentes, como é o caso de reminiscências arquitetônicas ou de quaisquer outras ordens materializantes legatárias de um momento diluído.
A medida que a História progride e seu campo conceitual se amplia, o homem torna-se ainda mais excluído, não mais sendo mecionado, nem mesmo em uma citação de rodapé, diluindo-se conforme a condição proposta de meta-negação, num paradoxo que remete-nos a uma perspectiva trágica acerca do homem em relação a História, tornando-o refém de sua própria concepção, aprisionando-o em um ciclo degenerativo de sua própria perspectiva.
Assim, pensando a História, a concebemos como um processo de negação, excluindo o sujeito que a constrói, facultando-o a um papel coadjuvante, ao mesmo tempo imprescindível enquanto causa, submergido em uma exteriorização dialógica para uma confrontação do não-eu, pois este aparato histórico permite ao homem diluir-se numa relação mundana.
O homem contribui com a matéria existente, diluindo-se nela, um Ser-No-Mundo, como concebeu Sartre, fazendo-se evidente através de uma percepção extra-sensorial, extrapolando sua realidade através de uma articulação evidenciada e participativa que interage em dimensões distintas, extemporâneas, inteligíveis ao que integra essa lógica ou empíricas a processos de uma materialidade inerente.