O Corpo
A partir da passagem exposta abaixo, irei fazer uma análise sobre o objeto-corpo, sob uma perspectiva sartreana, vide para consulta a obra "O Ser e o Nada".
"...pois não há nada mais pungente que a queda desamparada dum corpo morto, tanto que até aos próprios vivos parece doer o choque."(SARAMAGO,1991: 153)
Esse corpo que se apresenta a nós, conforme objeto já desprovido do sentido da vida, ou mais do que nunca, provendo o sentido da mesma, já que muitos consideram como sentido da vida a própria extinção da mesma, ou seja a morte.
Esse corpo, agora objeto, ainda mantém seu status de humano, carrega a lembrança do ser-habitante que utilizava-o como referência de si.
Segundo Sartre, talvez outros já tenham mencionado a respeito, mas até hoje só conheci tal argumentação nas palavras desse ilustre filósofo francês, o corpo é a nossa referência do Outro, pois é para ele que olhamos quando percebemos aquele que não é nós, mesmo sendo, quando se olha no espelho, ainda é este corpo que se mostra e a relação do olhar no reflexo apenas reflete a imagem desse objeto-corpo.
Entre o mundo e eu, existe "ele", o corpo. Mesmo quando deixar de existir ele ainda resistirá ao decompor-se, tentando negar seu sentido, procurando se mostrar independente daquele que o habitava. Que entenda o meu "habitar" enquanto metáfora de uma série de fatores fisiológicos, que começam a extinguir-se com a não mais existência do ser, evitando interpretá-lo como uma metafísica grosseira.
Mas o fato é que este corpo está ali e estará ainda quando nós perecermos, mesmo estando em pedaços, serão sobras de um resto daquele corpo, ainda que servindo de alimento a abutres.
Mas o que choca no corpo não é esse objeto em-si, mas a referência daquele ser habitante de outrora, assim, nós olhamos para aqueles olhos vazios e não mais conseguimos sentir aquela outra presença, entretanto, percebemos aqueles traços familiares aos quais nos habituamos a conviver.
O tormento do corpo não é seu sentido de objeto, mas a angústia de nossa memória que tenta resgatar através daquela forma o sentido do ser, embora só consigamos perceber post mortem o sentido do próprio objeto-corpo.
Referência Bibliográfica:
SARAMAGO, José. O Evangelho Segundo Jesus Cristo: romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.