O Príncipe, Marco na História da Política Moderna
A obra O Príncipe, escrita em 1513 (em 2013 completará 500 anos) pelo fundador da ciência política moderna, Nicolau Maquiavel, que tornou-se célebre ao demonstrar um modelo monárquico em seu apogeu, ainda servindo tais escritos como presente a Lorenzo II de Médici, onde relata em uma espécide de manual os meandros da prática política.
Muito se discutiu e se discute sobre esta obra, marcada por ser contemporânea ao chamado Absolutismo, ainda permeada por uma relação entre fé e cíência. Maquiavel demonstra um modelo de Estado que distingui religião e política, com uma forma sátira de crítica bem ácida, empolgava os ciclos intelectuais, demonstrando uma complexidade que a faz acompanhar épocas vindouras, pois mesmo hoje, no século XXI, ainda empolga ciclos de intelectuais e se demonstra muito condizente com a sociedade vigente, principalmente na esfera política.
Podemos encontrar quase na íntegra a obra O Príncipe, nos escritos sobre política de Aristóteles, onde podemos deduzir que Maquiavel tenha se inspirado na Política aristotélica para conceber seus escritos, o que não obscurece a forma com que utilizou tais conhecimentos, pois seu caráter estrategista e de certa forma “cínico”, inspirou inclusive o famigerado e reducionista axioma, “o fim justifica os meios”, que seria referência ao denominado maquiavelismo.
A sociedade do século XVI não admitia mais certas normatizações que eram resquícios de um religiosidade medieva, favorecendo o desenvolvimento de uma postura que as sociedades extemporâneas denominariam Humanismo, com a arguta percepção maquiavélica de que a política não era norteada pela moral cristã, existia uma lógica nas relações de poder que poderiam desencadear três perspectivas:
a) primeiramente, a política como algo amoral, tendo em vista seu caráter neutro dentro de uma concepção moralística, sendo instrumento passivo da ação humana, efêmera, conforme valores ou não-valores de uma época;
b) o segundo aspecto seria a utilização da moral humana como reguladora de uma prática política condizente com os costumes de uma dada sociedade;
c) finalmente a terceira perspectiva, que denota uma ação imoral humana, que busca atender objetivos que independem de uma regularização de normatização moralística, criando uma contrariedade em relação aos costumes.
Não era preciso ter ética, escrúpulos, ou o que denominavam “bondade” para governar, poderia mentir, enganar, assassinar se preciso fosse, o governante deveria até mesmo renunciar aos valores cotidianos para poder governar, daí a associação pejorativa ao chamado “maquiavelismo”, como algo imoral, o que demonstra uma análise muito rasa, tendo em vista o caráter científico inovador que Maquiavel demonstra ao fazer suas análises, pois a ciência também exige certo distanciamento de normatizações que impediriam seu desenvolvimento, o que não justifica a legitimação de qualquer ato científico, daí a necessidade de uma outra esfera de condução ética.
Dois conceitos emergem na obra de Maquiavel como mote de um ideal para um governante: a chamada Fortuna, que era compreendida como o acaso, uma associação à deusa romana da sorte; e a Virtù, associada à “virtude”, entendida como força que era atributo individual, que poderia inclusive governar o chamado acaso (Fortuna).
Segundo as palavras de Maquiavel, o governante deveria ser amado e temido, mas por ser praticamente impossível ser ambos, deveria preferir o temor. Compreendendo que a dissimulação também é válida no jogo das relações de poder, o que demonstrou na prática ao presentear um governante com uma obra que apontava os melindres da arte política, possibilitando ao contrário do que muitos imaginavam, não um manual de conduta ao governante, mas sim de prevenção aos governados, que passaram a conhecer amiúde as estratégias de governo.
Por ter adquirido funções diplomáticas, Maquiavel encontrava-se envolvido diretamente com a política, demonstrando empíricamente as estratégias que permeam um cenário político, além das críticas a religião que são notórias em seus escritos por demonstrar uma atitude soberana que independe de uma vontade divina, embora tenham sido abordadas com mais ênfase em outras obras, como a peça A Mandrágora.
Quanto mais consolidado o governo, menos tirânico deve ser o governante, e por tais observações muitos apontam a obra O Príncipe como de favorecimento aristocrático, embora exista o contra-argumento de que os interesses maquiavélicos eram fornecer ao povo uma forma de resistência, por conhecer a estratégia dominante, inclusive podendo ser notada a exaltação à democracia que Maquiavel expõe na obra Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio.
O fato é que Maquiavel se tornou um ícone intelectual na história humana e O Príncipe ainda causa grande discussão, imprescindível nos debates acadêmicos e popularizada por diveras esferas da sociedade, de forma vulgarizada ou intelectualizada, ultrapassa o limiar temporal e faz ecoar uma pormenorizada análise das relações humanas, com dilemas que continuam se atualizando em meio a um dinamismo que em certos momentos parecem perdurar, como uma espécie de “longa duração” concebida por Fernand Braudel.
Referência Bibliográfica:
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 2. ed. tradução: Roberto Grassi. Rio de Janeiro: Civilização Brrasileira, 1972.