O Dilema do Desenvolvimento Intelectual
"Ora, é certo que, até aqui, em todas as nações do mundo, o maior número sempre foi composto pelos que não tinham propriedade, ou por aqueles cuja propriedade era demasiado restrita para que pudessem viver comodamente sem trabalhar."(TOCQUEVILLE, 1998: 246)
Realmente Tocqueville expõe um fato notório ao longo da História e abaixo segue outro ponto:
"É impossível, não importa o que se faça, elevar as luzes do povo acima de certo nível. Por mais que se facilite o acesso aos conhecimentos humanos, por mais que se melhorem os métodos de ensino e se vulgarize a ciência, nunca se conseguirá que os homens se instruam e desenvolvam sua inteligência sem dedicar tempo para fazê-lo.
A facilidade maior ou menor que o povo encontra em viver sem trabalhar constitui, pois, o limite necessário de seus progressos intelectuais. Esse limite é situado mais longe em alguns países, menos em outros; mas para que não existisse, seria necessário que o povo não tivesse de se preocupar com os cuidados materiais da vida, isto é, que não fosse mais o povo. Portanto é tão difícil conceber uma sociedade em que todos os homens sejam esclarecidos, como um Estado em que todos os cidadãos sejam ricos. São duas dificuldades correlativas. Admitirei sem custo que a massa dos cidadãos que sinceramente o bem do país; vou mesmo mais longe e digo que as classes inferiores da sociedade parecem-me mesclar, em geral, a esse desejo menos combinações de interesse pessoal do que as classes elevadas; mas o que sempre lhe falta, mais ou menos, é a arte de avaliar os meios, embora desejando sinceramente o fim. Que longo estudo, quantas noções diversas são necessárias para se ter uma idéia exata do caráter de um só homem! Os maiores gênios se perdem ao tentá-lo e a multidão teria êxito! O povo nunca encontra tempo e meios para consagrar a esse trabalho. Sempre precisa avaliar às carreiras e prender-se ao objeto mais saliente. Daí porque os charlatães de todo gênero sabem tão bem o segredo de lhe agradar, ao passo que, na maioria das vezes, seus verdadeiros amigos fracassam."((TOCQUEVILLE, 1998: 230 E 231)
Nunca se deve esquecer que Tocqueville era um aristocrata e que acabava de certa forma "puxando a sardinha" para a aristocracia. Mas realmente temos aqui um problemão, a dificuldade em se desenvolver o intelecto devido as atribulações e a associação ao ócio por diversos pensadores para o desenvolvimento intelectual, pois o indivíduo que tem seu tempo tomado pelo trabalho acaba também se tornando debilitado e tem sua capacidade de raciocínio também afetada pela exaustão.
O que Tocqueville não expõe é que a aristocracia se sente fortalecida e não sofre das aspirações populares, porque também não possui a consciência de que existe uma estrutura sustentando-a, permitindo que possa desenvolver-se nessa elevação, pois se perdesse seus privilégios também tenderia a um decréscimo de sua intelectualidade pela exaustão de sujeitar-se a outros fins de ordem prática, como sua própria subsistência.
Claro que existem os aristocratas que possuem tal consciência e por esse mesmo motivo acabam favorecendo um conservadorismo que visa manter estagnada esta ordem hierarquizada.
Talvez, esta discussão até perpasse pelo que Gramsci desenvolveu acerca do intelectual, cunhando dois conceitos: intelectual orgânico e tradicional.
Creio que é algo mais complexo do que isso, além das questões relacionadas as classes, insituições e sobre o reflexo das mesmas sobre o indivíduo, deve-se também levar em consideração os desejos do próprio indivíduo enquanto sujeito atuante dentro desta conjuntura e a incomensurável versatilidade comportamental.
Mais ainda, a quem interessa essa população esclarecida ou não, e caso seja, como filtram o conhecimento e que tipo de conhecimento é este que lhe fornecem.
Sob esse prisma talvez eu até concorde com Tocqueville na dificuldade de tornar toda essa massa intelectualizada, se é que a solução estaria nisso, pois quem sabe devemos mais nos dedicar a execução de nosso ciclo de vida e não nos perdermos em sofismas intransponíveis.
Como escreveu belíssimamente Fernando Pessoa:
"Há metafísica bastante em não pensar em nada." e mais,
"O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum."
Referência Bibliográfica:
TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América: Livro I – leis e costumes de certas leis e costumes políticos que foram naturalmente sugeridos aos americanos por seu estado social democrático. tradução: Eduardo Brandão. prefácio, bibliografia e cronologia: François Furet. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Paidéia)