O Povo
"O 'povo' que exerce o poder nem sempre é o mesmo povo sobre quem o poder é exercido, e o 'autogoverno' de que se fala não é o poder de cada um por si mesmo, mas o de cada um por todos os outros. Além disso, a vontade do povo significa, em sentido prático, a vontade da parte mais numerosa ou mais ativa do povo - a maioria. Por consequência, o povo pode desejar oprimir uma parte de sua totalidade e contra isso não são necessárias menores precauções do que contra qualquer outro abuso de poder. Portanto, não deixa de ser importante a limitação do poder do governo sobre os indivíduos, mesmo quando os detentores do poder prestam regularmente contas à comunidade, isto é, a seu partido mais forte."(MILL,2000: 9)
Aqui, temos mais uma questão extremamente relevante ao debate político, ou seja, quem é o chamado "povo" afinal? Pois ao longo do tempo e em diferentes sociedades, o conceito a este respeito se modifica, mesmo na sociedade contemporânea é algo passivo de discussão.
Afinal de contas, quem é o povo quando se diz que tal medida foi tomada para assegurar o direito deste? Geralmente associa-se à "maioria", mas não necessariamente essa maioria possui algum privilégio a partir de tal medida, dependerá da perspectiva que se observa a denominada quantidade, a maior quantidade de um setor da sociedade pode não corresponder a real extensão de maior vulto social. A tendência hoje em dia, citando um exemplo, são tribunais populares que possuem vantagens, pois como vivemos em uma sociedade "democrática" (e a discussão sobre o que é democracia também demandaria uma análise bem vasta), atualmente leva-se em consideração aqueles que são favoráveis a esta democracia, mesmo que apenas teóricamente, pois muitos se infiltram em sistemas democráticas e os utilizam com esta prerrogativa para outros fins, sendo legitimados por teoricamente estar utilizando algo para o povo, o que teoricamente tornaria incontestável a atuação, já que primam a priori pela maioria.
Mas sabemos, como o "bom" e realista Maquiavel mencionou, as coisas são bem diferentes do que imaginamos ser. Assim sendo, deve-se tomar muito cuidado quando apoiar, por exemplo, um candidato, ou ver uma medida que dizem ser em nome do povo, devendo saber antes a que povo se referem e mesmo sendo para a maioria, qual a funcionalidade disso, se no final das contas irá mesmo favorecer ou se apenas serviu para ter o apoio inicial.
E mais ainda, o ponto em que também Mill faz menção, não significa que 51%, por ser maioria, deva passar por cima dos outros 49%, levando em consideração o indivíduo enquanto legitimador da sociedade e agente no contexto social. Devendo assim, limitar o poder deste "povo" que governa, por ferir a soberania do indivíduo que inclusive é responsável e causa principal do poder destes que governam.
Referência Bibliográfica:
MILL, John Stuart. A Liberdade; Utilitarismo. tradução: Eunice Ostrensky. São Paulo: Martins Fontes, 2000. (Clássicos)