Sobre Um Romantismo
Qualificar um período temporal sugere algo no mínimo pretensioso, tomando uma argumentação linear que beira o vulgarismo absolutista, atendendo uma demanda outrora ultrapassada por novas perspectivas acerca da historiografia.
Entretanto, tal exposição pré-formatada, visando atender uma necessidade metodológica, procura criar um virtualismo, identificado como espaço temporal, apresentado como “recorte temporal”, no qual o historiador pretende analisar uma fração que delimita em sua pesquisa, criando condições favoráveis a sua exposição argumentativa.
A partir de tal parâmetro, perguntas eclodem em meio a uma vasta gama de proposições apresentadas, a começar pela noção que possa compreender certa análise em determinado período, não importando que seja uma parcela ínfima, pela noção simplória em que apreendemos a realidade manifesta, onde percebemos os grandes hiatos que não podemos transpor.
Assim, a priori, temos a constatação de uma análise deficiente, condicionada a limitações particularizantes, provedora de um ponto de vista entre tantos, sendo questionável por sua própria apresentação deficitária.
O que não seria questionável e poderia apresentar-se inconteste? Pelo que nossa erudição contemporânea apresenta, partindo de uma premissa relativista, praticamente nada, ou, "até que se prove o contrário".
Os "grandes temas", ainda tão especulados nos livros didáticos, demonstram-se ineficazes mesmo em uma argumentação mediana, sendo apenas funcionais como “marketing” a determinado assunto explorado, onde o foco desvia do fator absolutizante e objetiva a proposição sugerida pelo autor.
A própria nomenclatura elucida certa pretensão ao evocar um tema, pela forma como se qualifica um enunciado e outorga-lhe um sentido, procurando de imediato, conduzir a leitura do seu interlocutor, revelando uma malícia implícita.
Pensando em autores que se comprometem a demonstrar de forma argumentativa o Romantismo, por exemplo, onde uma contextualização procura evidenciar um período, tratar de sua conjuntura, explorar os "atores" que compunham tal cenário, adentrando a ordem imagética, supostamente diluída por sua condição temporal, além de todos os outros nuances deste realismo multifacetado, buscando unir dados adquiridos a uma lógica argumentativa extemporânea, não sendo exagero evocar o anacronismo.
Na tentativa de compreender o que fora um Romantismo, acabamos criando algo à parte, não podendo voltar ao que foi, construímos um pressupor, onde o que foi e o que é fundem-se em um vir a ser, administrando uma hermenêutica com sentido póstumo.
Quanto mais nos envolvermos com o objeto de análise, mais distantes estaremos dele e de nós mesmos, por despersonalizarmo-nos em prol da análise, além de corrompermos aquilo que era, em nome do que será.
Uma questão paradoxal se apresenta, tendo em vista não podermos alterar o que não é mais, assim como construir a partir do que ainda não é, embora estejamos diante de algo existente enquanto realidade presente, por um materialismo de fontes póstumas ou expectativas lógico-dedutivas que pairam em uma racionalização.
Somado aos fatores apresentados, temos uma materialidade presente, tanto no aspecto mundano de objetos que nos afetam, até as relações sociais e toda uma gama de valores agregados, compondo um status quo, ambos influentes no sujeito e sua análise, o que remete-nos a um terceiro ponto.
Aquele que expõe uma análise estará sendo influenciado por fatores contemporâneos, passivo da mesma lógica analítica, ficando sua argumentação comprometida ao seu campo de influências, compondo uma ordenação discursiva que irá avolumar certas padronizações, onde interesses comuns expressos irão somar-se, resultando em uma documentação que atenderá apenas particularidades, no máximo a soma destas, explicando assim o motivo da História ser criteriosa em sua analítica, não sendo relegada a uma função estéril (socialmente falando), não podendo esquecer a preciosidade em uma crítica sobre tais particularizações, por conterem elementos, que mesmo um escritor hábil não poderia obscurecer.
Por mais particularizante que seja, um texto possui sua relevância social, por apenas poder ser desenvolvido em sociedade, pressupondo o sujeito como um ser social.Tal afirmativa expõe outro ponto, o de caráter assimilativo, onde o sujeito contemporâneo busca através do objeto apreendido, um desenvolvimento presente, sendo instigado por aquilo que desconhecia e facultando-o a recriar.
Não podemos negar certo individualismo que viria compor o chamado Romantismo, podendo associar como marco genealógico a Revolução Francesa (1789), assim como, suas remanescências observáveis em uma analítica conforme a apresentada em uma historiografia contemporânea, não podendo mais negar o objeto-indivíduo sendo exposto, não apenas em uma pressuposição acerca da sociedade, como na própria metodologia de análise, na qual o historiador é mais um sujeito expondo um dos tantos vieses argumentativos.
Essa transformação altera a percepção histórica - nos moldes heraclitianos e somada a uma perspectiva darwinista de evolução -, remete o cientista social a uma gama, deveras ampla, de possibilidades que tornam a análise mais complexa, necessitando de um aparato argumentativo que extrapola o campo da História, ou antes, de fato explora-o, pelo mesmo abranger todas as áreas de construção do conhecimento humano, servindo-se delas em uma composição epistemológica.
A problemática visa a emergência de interconexões, onde o campo de atuação irá atender determinada estratégia de uma proposição, estabelecendo certa tendência do expositor, criando uma logicidade semântica que beira certo estruturalismo, porém, supera-o em certa desestruturalização que permite evidenciar lacunas providenciais a uma expansão incomensurável, devido a tentiva de sanar os referidos hiatos.
Pressupor um Romantismo, seria um tanto quanto “romântico”, primeiramente pela utopia proposta em elucidar um período de forma póstuma, somado a isso, a tragédia vivida por saber que pretende-se algo que tem como objetivo o fracasso, talvez daí advenha, por falar em romanesco, as palavras de um romântico de fato, contemporâneo ao século XVIII e XIX: “Duro destino do historiador: amar, perder tantas coisas, recomeçar todos os amores, todos os lutos da humanidade. Acabo de ler alguns sonetos de Petrarca. Mas de quantos sonetos e canzoni eu precisaria para chorar tantos amores infelizes que meu coração atravessou de século em século.(...)Amar os mortos é uma imortalidade.” (MICHELET,J. apud LIMA,1989:179)
Referência Bibliográfica:
LIMA, Luiz Costa. O Controle do Imaginário: razão e imaginação nos tempos modernos. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. (Coleção imagens do tempo)