A Nobiliarquia No Império
A nobiliarquia faz-se presente na tradição aristocrática, com extensão a títulos conferidos aos que prestassem “bons serviços” à monarquia, fato este notório por toda a Europa e que tornou-se um legado lusitano transferido ao Brasil na época do Império.
Entretanto, o caso do Brasil tornou-se atípico, por justamente fomentar interesses também econômicos na prática nobiliárquica, criando assim, um acúmulo de capital que viria favorecer a coroa lusitana com a avidez plagiante de uma nobreza emergente que deseja criar um modelo particular de aristocracia euro-tupiniquim.
Os títulos ofertados pelo monarca, D. Pedro II foram distribuídos seguindo a tradição que já havia sido estabelecida pelo seu antecessor, D. Pedro I, e que fora legitimada anteriormente por D. João, sendo que as sucessões de monarcas acarretou um aumento considerável do número de concessões, embora deva-se ressaltar algumas particularidades.
Percebe-se que à medida que a hierarquia aumentava, as concessões diminuíam, ou seja, quanto mais auto o status do título, menos eram os contemplados, o que favorecia o controle do Imperador sobre uma sociedade que moldava-se e regimentava-se como um grande estamento.
Os títulos não possuíam custo popular e para adquirí-los era necessário dispor de um capital que poucos detinham, o que favorecia ressaltar uma nobreza tropical que emergia com necessidade de um reconhecimento europeu que fora depositado na titulação.
A nobiliarquia brasileira não seguia o padrão consanguíneo, vitalício ou transmissível, era instransferível, uma propriedade adquirida pecuniariamente de posse e uso exclusivo de seu usufruinte, uma rede interligada ao monarca, quanto mais próximo do Imperador, maior a importância do título, auferindo fidalguia aos nobres emergentes que se desdobravam para adquirir a dádiva.
Além de todo o processo burocrático para se alcançar a titulação, ainda corria-se o risco de no final ter seu pedido negado, pois cabia ao Imperador decidir a favor ou não da concessão, conforme suas alternâncias de humor e o grau de empatia pelo requerente. O Imperador também poderia servir-se de tal titulação para demonstrar escárnio ao requerente, criando assim pseudônimos desagráveis ao solicitante ou vexatórios ante à sociedade. Conforme exposto por José de Alencar: "O Freitas insiste por Barão do Socorro; mas eu já me contentava em fazê-lo barão de qualquer coisa. Há dois meses que estou nesta lida. - Tive agora uma idéia, Excelentíssimo. Proponha Barão de Espera, disse Lopes com um sorriso prismático. - Da Espera... Por quê? O Freitas mora pelas margens do Paraíba; e como nos rios sempre há uns pontos chamados esperas, onde as canoas se abrigam enquanto passa a força d`água...” (ALENCAR, [1959]: 80).
O fato de possuir capital e influência não necessariamente eram garantias asseguradas de conseguir o título desejado, pois a centralização do poder conferia ao monarca o poder absoluto de decisão, sendo inquestionável sua decisão, embora em casos específicos poderia ceder a pressões por evitar certos dissabores que poderiam causar algum ultraje, talvez até ameaçador a seu governo.
José de Alencar expõe a angústia de um requerente frente a negativa do monarca:
“Entendia Freitas e com boa razão, que tendo oferecido doze contos de réis à vista pelo título de Barão do Socorro, e não por outro qualquer, o governo devia dar-lhe o objeto comprado, ou declarar que não podia aceitar a oferta, fazendo de sua parte contraproposta.
- Meu caro senhor Freitas, como seu amigo que me prezo de ser devo usar de toda a franqueza. O senhor elabora um engano, quando supõe que o governo vende títulos, e que pelo fato de dar doze contos de réis, qualquer tem direito a ser barão.
- Mas, senhor conselheiro, foi o que me disseram!
- Iludiram-no. Dando doze contos de réis o cidadão presta um serviço e fica habilitado a ser remunerado com uma graça. Essa graça pode ser um hábito, uma comenda ou um título, do nome que aprouver ao governo, o qual não recebe condições. O senhor desejava ser Barão do Socorro. Sua Majestade entendeu em sua sabedoria que devia fazê-lo Barão da Espera. Tome o meu conselho; vá agradecer-lhe, e não se ocupe mais com isso. Não é bom reviver certas coisas!..."(ALENCAR, [1959]: 81).
Assim transcorreu o processo nobiliárquico no Império, de forma elitista, estamental, concomitante a isso uma monarquia patrimonialista e patriarcal que não se fazia rogada em usufruir de seu poder e dispor cada personagem em seu devido lugar. Refletindo sob as palavras de Machado de Assis: “[...] não se perde nada em parecer mau; ganha-se quase tanto como em sê-lo.” (ASSIS, 1983: 48).
Referência Bibliográfica:
ALENCAR, José de. (1959). “O Tronco do Ipê”. Biografia, introdução e notas: M. Cavalcanti Proença. [S.l.] Difusão Edições de Ouro.