Paulo Coelho e o leitor Analfabeto
 
Paciência só para o que importa de verdade
Paciência para ver a tarde cair
 Paciência para sorver um cálice de vinho
 Paciência para a música e para os livros
 Paciência para escutar um amigo
 Paciência para aquilo que vale nossa dedicação.
- Martha Medeiros -
 
A palavra “analfabeto”, em essência, refere-se ao grego ἀναλφάβητος (o que não sabe nem o α (alfa) nem o β (beta) ). Como adjetivo significa ‘aquele que ignora dos primeiros rudimentos da leitura e da escrita’, desde a latinização do grego citado (f. lat. ănālphăbētŭs).

Entretanto, a configuração hodierna inclui no âmbito do analfabetismo o ‘analfabeto funcional’:  “denominação dada à pessoa que, mesmo com a capacidade de decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos (...), não desenvolve a habilidade de interpretação de textos”, equivalendo que, embora saiba diferenciar ‘a’ de ‘b’, conforme o nível de alfabetismo funcional (existem três níveis nessa categoria) tem maior ou menor dificuldade em discernir do que lê e ouve, no que reflete e no que propaga, em ‘extrair para compreender’ e assim, assimilar ou refutar um pensamento lógico.

Diversos estudos recentes têm apontado variados fatores que, separadamente ou em conjunto, contribuem para esse crescente fenômeno no Brasil. Nesses estudos, além dos evidentes conflitos concercentes à Educação escolar (qualidade insuficiente dos sistemas de ensino, desvalorização e desmotivação do professorado, progressão continuada (ou aprovação automática), péssima infraestrutura das instituições de ensino) há que se destacar aqui ‘falta de hábito e interesse de leitura do brasileiro’ em quantidade mas muito mais em qualidade (entenda-se aqui que não se quer fazer nenhum juízo de baixo valor acerca da literatura de Paulo Coelho, muito pelo contrário, como discorrido a seguir).

Em números, a partir desses estudos, temos cerca de 30% (nível 1) e cerca de 40% (nível 2), perfazendo cerca de 70% da população brasileira nos mais altos níveis de analfabetismo funcional, o que soma um número grandioso maior que 130 milhões de brasileiros, embora a Pnad (2010) indique que a escolarização no Brasil aumentou desde 2008 (isso pode querer dizer que, mantidas as condições, os frutos somente desabrocharão a partir de 2030, na fé!).
Resumos de trabalhos dos professores Rosana Novaes Pinto e Luis Carlos Cagliari (UNICAMP) apontam principalmente: 1) o analfabeto é uma realidade humana; 2) o analfabetismo é um problema social; 3) o analfabeto em sua essência acredita que não necessita ler; 4) o analfabeto crê que suas condições o permitem sobreviver mesmo com o mínimo de conhecimentos já que identificado com sua própria convivência social; 5) o saber acumulado pela escrita é historicamente um privilégio das classes dominantes e fator de detenção do poder; e 6) a diminuição do analfabetismo representaria o compartilhamento do saber, do poder e do poder do saber.

O escritor Paulo Coelho, como sabemos é, além de inteligente, muito culto; conhece muitas linguagens e tem profundos conhecimentos de mitologia e filosofia. Uma das grandes qualidades de Paulo Coelho é a sua capacidade de traduzir para uma linguagem acessível aos leitores medianos a substância de seu saber. Com isso, Paulo Coelho consegue transmitir muito de seus pensamentos aos seus leitores. Isso faz com que muitos de seus leitores consigam entender um bocado daquilo que Paulo Coelho escreve. Também induz o leitor a querer ‘repetir a experiência’ da escrita e é exatamente nesse ponto, em consequência da realidade ‘funcional’ que ocorre um outro problema: o leitor mediano, embora entusiasmado como pretenso escritor,  não tem (ainda?) o cabedal intelectual do escritor Paulo Coelho, e como apontam os estudos, de per si, tem maiores dificuldades em entender até o que pensa escrever, quanto mais passar para o texto aquilo que imagina ser experiência de leitura, o que redunda em indisfarçáveis desgostos, muitos dos quais representados por edições-encalhe, de farta distribuição a amigos e parentes, o que pode até ser um consolo na imaginação de alguns. Esse quadro ocorre na desproporção da qualidade de leitura, como o demonstram os estudos, na dificuldade de interpretar e, na repetição dos equívocos. As dificuldades tendem a aumentar, quando o leitor/escritor se desvia da necessidade premente de aceitar-se como aprendiz e negar-se a procurar desenvolver seu potencial, retomando estudos e/ou incrementando-os.

“Querer é poder”, versa antigo adágio, mas é necessário acrescentar ‘saber exatamente o que se quer’.
 
Referências:
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - http://www.ibge.gov.br
"O Analfabetismo Funcional" - Ana da Cruz - http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1253623
Jus Navigandi - Inelegibilidade do analfabeto funcional - http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=607