O ANALFABETISMO FUNCIONAL

Síntese

O analfabetismo funcional, baixo-letramento ou semi-analfabetismo, neste estudo, é utilizado para designar a condição de pessoas ou grupos que sabem ler e escrever, no sentido de identificar e desenhar palavras no papel, mas não sabem, também, interpretar um enunciado e expressar-se na sua própria língua, utilizando-se da leitura e da escrita, incorporando-as em seu viver, como elemento transformador de sua condição pessoal, dentro do âmbito cultural, social e de trabalho.

O ser humano é o sujeito da fala, disto ninguém duvida. Ele está a-sujeitado à linguagem falada, isto lhe é inerente - a não ser que tenha uma deficiência fonológica séria. Mas, o sujeito letrado, da leitura e da escrita - que também incidem numa melhoria da sua fala, este é construído através de aprendizagens vividas no contexto familiar, social, escolar, e, pela própria necessidade, que a vida lhe impõe, de ampliar suas possibilidades de comunicação.

Este estudo vem de encontro a uma preocupação de todos os educadores conscientes, pela problemática visivelmente enfrentada por muitos adolescentes e adultos, na sua compreensão dos fatos lingüísticos e na expressão de seus pontos de vista, fato este que serve de empecilho para tornar sua vida mais funcional.

O estabelecimento de um quadro do analfabetismo funcional no Brasil, objetiva que as informações e as colocações aqui contidas possam abrir novas discussões, propostas, projetos, e, até mesmo, ações por parte de seus leitores.

A Revista Veja (13/09/2000) publicou os Resultados da pesquisa SEADE onde consta que, entre funcionários de grandes corporações brasileiras, 48% têm dificuldades com comunicação escrita.

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos —PISA (2002), avaliou o desempenho dos estudantes de 41 países e deixou o Brasil envergonhado. 4.800 adolescentes brasileiros participaram da amostra representativa dos estudantes matriculados nas 7ª e 8ª séries do ensino fundamental e nas 1ª e 2ª séries do ensino médio. O que foi mesmo constatado foi nosso imenso atraso escolar. Na média geral das três áreas avaliadas: leitura, matemática e ciências, o desempenho brasileiro também ficou em penúltimo lugar. Na prova de leitura, o Brasil fica à frente da Macedônia, Indonésia, Albânia e Peru. Nas provas de matemática, com média de 334, e ciências, em que obteve pontuação de 375, é o penúltimo, ficando apenas em melhor posição que o Peru.

Os resultados da pesquisa Retrato da Leitura no Brasil (2002) — encomendada pela Câmara Brasileira do Livro - CBL, em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros - SNEL, a Associação Brasileira de Editores de Livros - Abrelivros e a Associação Brasileira dos Fabricantes de Celulose e Papel - Bracelpa, não deixam dúvida: o número de bibliotecas públicas no país é ridículo. Possui apenas uma biblioteca para cada dois municípios.

Outra pesquisa nacional, feita pelo Instituto Ação Educativa/Ibope, publicada pela Unicamp (2003) também não deixa dúvidas. A pesquisa foi feita com pessoas de 15 a 64 anos, e revela que apenas 25% dos brasileiros têm habilidades mais refinadas de leitura; apenas 170/o da população tem acesso ao mundo digital; e que os índices de analfabetismo absoluto e de alfabetismo funcional no Brasil, são, respectiva-mente, em 9% e 25% da população brasileira.

Na maioria das vezes, estas pessoas têm uma experiência de vida muito aquém da necessária para serem consideradas letradas, pois, quer por dificuldade de acesso ou falta de recursos financeiros para ter acesso a uma boa escola, ou, ainda, por falta de hábitos de leitura no grupo em que estão inseridas, ou mesmo a soma destes fatores. Fato é que não tiveram acesso a um ambiente favorável, nem a bons professores ou livros. No entanto são sobreviventes. São pessoas tentando extrapolar suas limitações.

A literatura, de todas as artes, é aquela que encerra maior probabilidade de relações entre o indivíduo e o outro indivíduo, entre o indivíduo e a sociedade em que ele vive, e, ao mesmo tempo, a transposição disso para outros níveis que são níveis da beleza ou da expressão. Ela assegura a manutenção de uma cultura, de um povo, de uma nação. Como se pode perder este potencial? Ler é preciso. A leitura com a interpretação do texto e a prática da escrita deve ser trabalhada tanto quanto os conteúdos gramaticais.

A escola pública, que deveria abrir os horizontes de sua clientela, acaba sendo um campo fértil do analfabetismo funcional. Um dos motivos é que o valor do papel da escola e do professor vem sendo, sumariamente, subestimado, muito ao contrário do que fazem parecer as campanhas publicitárias de nossos políticos, que mostram escolas públicas, consideradas modelos - raras exceções. Os professores não têm direitos trabalhistas - como FGTS, recebem míseros salários - pagos com atraso, tendo que se desdobrar em vários empregos para ter uma renda decente. A maioria não tem estabilidade, impossibilitando um trabalho continuado, com melhoria gradativa, baseada na experiência docente, com uma clientela específica. Falta material para as escolas públicas, desde folhas para impressão de material até livros didáticos e paradidáticos, só resta faltar o giz. Professor já falta. Contrata-se pessoas sem formação específica para lecionar. Você se operaria com alguém que não fosse médico? Aluno, começa a faltar. O que mais falta? Fechar as escolas públicas?

Um dos pontos, colocados como positivos pelos governos municipais, estaduais e federal, é a diminuição da repetência - tida como fator de desmotivação do aluno - e o aumento de vagas (como se as vagas, por si sós, gerassem formação). Não se leva em conta que apenas um diploma não confere conhecimento. Uma escolarização mal feita acaba gerando um analfabeto funcional diplomado, condenado a subempregos, por apresentar um desempenho bem abaixo da expectativa. A abertura de vagas - sem repetência, para economizar dinheiro público -, não passa de um presente de grego, em que um diploma conferido não corresponde a um conhecimento acreditado e real, sendo um falso passaporte para o mercado de trabalho, que, cada vez mais, procura qualificação.

Parece que o grande trabalho do atual Ministro da Educação - Cristovam Buarque e seus sucessores, dos governadores e prefeitos deste país será trabalhar para reverter esta verdadeira tragédia na educação pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIVERSAS ENCONTRAM-SE NO TEXTO COMPLETO.

CRUZ, Ana da. O Analfabetismo Funcional (Síntese). Revista Estalo nº 2. Belo Horizonte: Jornal Estalo, 2004. Original: O Analfabetismo Funcional (Artigo Científico). Belo Horizonte: UFMG, 2004.

* O texto completo de O Analfabetismo Funcional está passando por uma atualização de literatura e dados, com previsão de uma segunda edição para 2009.

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Ana da Cruz
Enviado por Ana da Cruz em 29/10/2008
Reeditado em 24/11/2008
Código do texto: T1253623
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