Entre a Força da Justiça

e o Poder da Misericórdia

© Dalva Agne Lynch

 
 
"Há pessoas a quem não se ofende impunemente, e se a injúria que se lhes fez é mortal, desde já se começa a morrer. Há outras que nem sequer cruzais em vão, e até mesmo o seu olhar altera a direção de nossa vida. O basilisco que mata com um olhar não é uma fábula - é uma alegoria mágica."  (Eliphas Lèvi, "Dogma e Ritual da Alta Magia", Dogma, cap. 8, A Justiça)  
 
Sim, Éliphas Lèvi estava falando em Cheth - a Força da Justiça. A Justiça é cega, sim - ela não tem  misericórdia.  
 
Quem pede Justiça ao Eterno, pede destruição sobre si mesmo - porque ninguém é justo o suficiente para ser perfeito, e todos nós somos passíveis de sermos culpados de alguma coisa em alguma área de nossa vida. A Espada da Justiça tem dois gumes - e se estamos certos em um ponto, estaremos errados em outro. Somos, todos nós, criaturas do erro. E a Justiça é implacável.  
 
Por isto cabe ao Peregrino buscar não por Justiça, mas por Misericórdia. E quando nos deparamos com a Justiça, só nos resta despirmo-nos de nossas capas e máscaras, porque seremos examinados sem parcialidade e sem roupagens. E ela não categoriza lágrimas e dor no seu rol de atenuantes à penalidade.  
 
A Justiça é integridade, virtude, honra. Nua e fria. Quem dentre nós se pode dizer íntegro, virtuoso, honrado - sem jamais deslizar para o disfarce, o engano, a mentira? Dentro dos parâmetros da Justiça, somos todos culpados!  
 
Mas a Justiça é Cheth. E Cheth é, na Árvore da Vida, o caminho que leva o Peregrino, o Louco do Tarot (você e eu), da Sefirah da Glória e da Beleza (Tiferet) à Sefirah do Amor e da Misericórdia: Chesed.  
 
Ah, vencer! Ver nossa causa ganhando sobre nossos adversários, ver nossos inimigos aos nossos pés! Quem não deseja a beleza da glória, da vitória, da conquista?  
 
Mas a Justiça aponta àquele que busca a única solução possível para todos os atritos humanos: cruzar o Portal de Chesed - o Amor e a Misericórdia.  
 
"Para tudo há um tempo determinado, e todas as coisas têm seu tempo determinado debaixo do sol: Há o tempo de destruir, e o tempo de construir." (Eclesiastes 3:4)

Àquele que vence a guerra, cabe reconstruir o mundo daquele que foi derrotado. Isto é... misericórdia.

Examinemos o Atu VIII do Tarot de Thoth:

A figura feminina segura uma Espada com a lâmina para baixo, à qual não apenas se apóia, mas nela pisa com ambos os pés. Ora, sabemos que, quando o imperador romano apontava para baixo, na Arena, isto significava que o réu era culpado. Quando apontava para cima, ele era considerado inocente. Como já disse acima, perante a Justiça, somos todos culpados. 

O que é a Espada? É o intelecto do homem. É a parte dele que deveria ponderar entre os opostos, e escolher: outra vez temos aqui o símbolo da balança, e é ela que está suspensa à coroa da figura deste Atu (Arcano), com um prato de cada lado da Espada.

A figura da Justiça se apóia inteiramente na escolha do homem.

Quem nos julga não é nenhum Poder Superior. Quem nos julga é o poder de nossa própria Vontade (não a vontade-querer, mas Qelhma - Thélema- , nossa Vontade Superior). O que se nos vem disto, meras conseqüências de escolhas nossas ou daqueles que nos cercam, é o que cairá sobre nós. Seja como for, a Balança da Justiça está intrinsecamente ligada às escolhas racionais humanas.

Lembre-se: a Espada é Thélema - a Vontade Superior do homem. Quer dizer, sua vontade consciente das correlações entre todas as linguagens Divinas. O homem que escolhe baseado apenas no que quer jamais sairá de seu pequeno mundo limitado. O homem superior faz suas escolhas baseado no que diz o Universo.

Portanto, a Justiça só pode salvar o homem quando este já salvou a si mesmo. A força da Justiça está na capacidade que ele tem de fazer uso do Poder do Amor, ajustando seu comportamento e a direção de sua vida ao que este Poder lhe ensina. E é por isto que, no Tarot de Thoth, a Lâmina da Justiça se chama Ajustamento.

Ao examinarmos mais de perto a figura que forma este Atu, veremos que as correntes da balança e os globos (Universos) dos pratos de escolhas formam um perfeito triângulo voltado para cima. O homem buscando o Infinito. O homem atingindo o Infinito através da magnitude de seu poder. 

E a mulher que segura a espada, e cuja coroa é uma balança, chama-se Ma'at, cujo nome significa Verdade, deusa das leis que regem o homem. No misticismo grego ela é Themis - a Deusa da Justiça.

Cheth - o Oito

 
E o que é Cheth? O que está sob o Arcano da Justiça?

No Ano (tempo), Cheth rege o mês de Tamuz (Junho/Julho)
No Universo (lugar), o signo de Câncer.
Na Alma (homem), a visão.
 
Cheth é a tribo de Reuven (Rubens), o primogênito de Israel, e rege o campo dos ancestrais. Sua permutação com o Tetragramaton é feita com HVHY.

O Signo de Câncer é caracterizado pelo amor à família e aos amigos. Se examinarmos a história dos filhos de Israel, veremos que Reuven (Rubens), o primogênito, foi o único dentre os irmãos que tentou proteger Yozeph - José - quando todos os demais irmãos escolheram matá-lo, por ser ele o favorito do pai. Rubens foi também o elo da reunião de José com os seus. Ou seja, a misericórdia de Rubens foi a salvação de José, consequentemente de Israel. Pois José também precisou aprender a perdoar.

Devemos lembrar aqui que a prova mais dura do amor é justamente esta: o perdão. E perdão é apenas um outro nome para misericórdia.

É fácil amar aos que nos amam. É fácil amar a quem é amável. O difícil é amar àquele que nos odeia e que, em seu ódio, tenta por todos os meios nos destruir. Ao vencer a batalha contra ele (porque guerrear contra ele é inevitável), o que nos impedirá da vingança? O que nos poderia impedir de usar contra nosso inimigo vencido a Força da Justiça?

Pois digo-lhes que, acima da Força da Justiça, está o Poder absoluto da Misericórdia.

Nota: Gostaria de salientar que, em meus ensaios místicos,  baseio-me na Kabbalah Talmúdica e na Guematria Hebraica, portanto, alguns detalhes estarão diferentes do que foi apresentado pelos estudiosos tanto do Tarot quanto da Cabala da Nova Era, e também dos livros de Aleister Crowley e do brilhante brasileiro Johann Heyss. 
Isto não quer dizer que considero o que eles propuseram como sendo errado. Apenas decidi partir de outro ponto de vista. Não se esqueça de que há correlações infinitas entre todos os sistemas, e que, juntos, eles formam um círculo completo de interpretações. 

 fig: Oitavo Arcano, Ajustamento, do Tarot de Thoth

 

 

 

 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 28/10/2009
Reeditado em 01/01/2015
Código do texto: T1892467
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