Imanência e transcendência na poesia do mestre Brandão
IMANÊNCIA E TRANSCENDÊNCIA NA POESIA DO MESTRE BRANDÃO
Prefácio de O Silêncio de Deus, de J. C. M. Brandão, por
Luiz Vitor Martinello*
A Poesia brota dos dedos de Brandão. E como disse certa vez: “palavras que são coisas, com o saber de experiência feito, com os mestres, a quem chamamos clássicos, aprendida.”
A Poesia brota dos dedos de Brandão, iluminada: “pau, pau e pedra, pedra; ou bichos, árvores, terra e sangue.” “O poeta não escreve para dizer coisa nenhuma” – afirma com convicção – “mas para fazer”. E citando Ionesco: “entregar mensagens é trabalho do carteiro.”
O poeta não escreve para dizer coisa nenhuma, mas para fazer. Para fazer-se? Ao fazer seus poemas, Brandão faz-se. E mais: faz outros poetas quando, ministrando um curso de poesia, sugeridas as palavras “olhos, água, caminho, pássaro, flor, mesa “– ele que é prestidigitador delas – escreve, ensinando o caminho das pedras, que burila como só o fazem os verdadeiros poetas:
olhos
no caminho
uma flor
na água
um pássaro
sobre a mesa
Já em sua primeira obra, O Emparedado, Brandão anunciava sua procura: “na pedra mais dura / forjar um estilo” em busca da “palavra mais pura”.
Intrometo-me em um de seus poemas, recorto-lhe alguns versos (pura heresia) a substância em minhas mãos, plena, cantiga de enamorados, numa dimensão outra, inefável, candidamente erótica, magia absoluta:
Você olhava o sol poente.
Você queimava.
Eu não olhava os seus olhos,
seria a perdição.
Eu segurava os seus seios,
queimavam.
Maçãs encarnadas
pulsando, derretendo os meus dedos.
Candelabros
iluminando a noite.
Aliás, já em Emparedado percebemos a variedade de formas de que Brandão se ocupa em seu ofício, cada poema como pedra preciosa exigindo particular artifício: redondilhas, decassílabos, alexandrinos, oitavas, sonetos, tercetos, dísticos, aliterações, e também versos brancos, rimas consoantes, toantes, e estrofes que são verdadeiros haicais:
Por breve momento:
O tempo não era o tempo:
de tão antigo.
Em seu segundo livro Exílio, dê-se registro às palavras de abertura: “Por toda a grandeza do universo, do tempo ou do amor, eu quis a mágica da ascese, um vôo secreto na febre do sangue. O poeta sonha a forma do espírito”.
Suponho, ao ler esse fragmento, que Brandão conceba dois mundos: este - o da nossa miserabilidade, um exílio desgraçado, no sentido de termos sido desprovidos da graça (não somos anjos caídos?) e o de nossa origem, qual o mundo das idéias de Platão - ao qual ansiamos por voltar. São palavras do poeta em Exílio:
Dura mão abateu-se sobre nós.
Feriu—nos, castrou-nos.
E somos pobres como o olhar de um animal acuado.
Por isso o poeta assinala:
Não durmo. Duro
na noite em que me encontro
de mim ausente.
Ou, numa variação de imagens, o mesmo:
Um piolho
Mil piolhos me roem
O cérebro. Em frangalhos
Serei eu mesmo, o que escreve
Ou o que vive o estupor?
Só a ascese nos devolverá o Paraíso perdido, só a Arte pode, desejando criar o Belo, nos dar momentos de transfiguração, de transcendência para além desse mundo de sombras e espectros. Assim, para Brandão cada poema é uma elevação da alma, sua construção funcionando como um exercício de ascese, de elevação do espírito, uma verdadeira simbiose entre o aperfeiçoamento do poema e da alma.
No livro Poemas de Amor (que tem na contracapa um poema a mim ofertado, sempre meu muito obrigado, caríssimo Zé) parece-me que Brandão tirou umas férias dessa existência sacrificial, assumindo despudoradamente o cotidiano mais prosaico, e paradoxalmente, contente dele, elevando-o à mais alta poeticidade, talvez por que, escolhido o Amor como tema, seja este o único resíduo de nossa contingente e abatida divindade a nos possibilitar algum alento de antevisão do Eterno:
O amor ordena a casa apagada,
a mesa, o fogão, a cama aconchegante,
a fogueira à beira do lago,
os nossos corpos unidos,
a nossa alma que se eleva.
Ou:
Um dia você tirou a roupa,
eu abaixei os olhos.
Você tirou o corpo, me deu.
Eu me ajoelhei.
[...]
E o espírito de Deus pairou
Sobre as águas.
Sabedor, agora, de outro caminho, o da Plenitude (“os amantes cruzam o umbral do tempo: em breve seremos eterno”s) Brandão já não mais recrimina este mundo; faz mesmo dele ante-sala, tempo de espera e com ele se compraz:
Deus pasce do alto.
A ovelha bale fora do aprisco
e volta.
O mundo é grande
e calmo cristal
onde brilha a face de Deus.
Há mesmo em seus últimos poemas (ainda inéditos em livro) uma complacência serena e sábia com este mundo em que:
As siriemas bicam o dia
na porta
da cozinha.
Essa antevisão da Plenitude aqui e agora na mais cotidiana realidade é reveladora definitiva da ascensão do poeta, já então estranho aos mortais comuns:
A luz me libertou da pedra.
Atravessei o rio subterrâneo,
atravessei o túnel escuro.
Cego de tanta luz,
eu me prostrei: Estou pronto, Senhor.
Quando me levantei,
era mais um estranho na terra.
Dessa estranheza sagrada de que é feita a alma dos grandes poetas.
*Luiz Vitor é o poeta mais conhecido de Bauru, autor dos livros de poesia “Mãos nos bolsos”, “Os anjos mascam chiclete”, “Lixeratura”, “Me apaixonei por mim mas não fui correspondido” e dos infanto-juvenis “O sapato que sabia andar” e “O penuginha”.
Peço desculpas aos amigos, elogio em boca própria é vitupério, mas eu não pedi ao Vitor para falar bem de mim. Já que ele escreveu, eu mostro.
O Vitor fez este ensaio há uns dois anos, mas cabe bem como prefácio de O Silêncio de Deus.
O Vitor foi generoso demais, chega a chamar-me de grande poeta, porque é meu amigo, mas também soube captar o que há por trás ou por dentro do que escrevo: a ânsia de transcendência.
Estou lançando O Silêncio de Deus pela internet, com impressão sob demanda, um tipo de edição que chegou ao Brasil em maio deste ano.
Quem quiser adquirir um exemplar, basta fazer o pedido que o seu livro será impresso em São Paulo e, dentro de 5 a 10 dias, chegará pelo correio.
O grande problema da poesia é a falta de divulgação. Com este método, os livros poderão ser bem divulgados em blogs e sites.
Quem quiser conhecer mais, pode ir ao meu blog www.poesiacronica.blogspot.com
ou ir direto a http://clubedeautores.com.br/book/5402--O_silencio_de_Deus
Um grande abraço,
J. C. M. Brandão.