Da Polidez Que Engana
OBS: esse é um dos textos dentre os quais batizo "Ensaios Crônicos"
“A polidez faz o homem parecer por fora
o que deveria ser por dentro”
(Jean de La Bruyère)
No decorrer do meu trabalho, deixo a TV ligada no canal de notícias. Dentre todas as matérias, os incontáveis e impunes escândalos de corrupção, que assolam todas as áreas da administração pública e privada, me chamam à atenção: são navalhas em nossa carne, que há muito já sangra e carece de lugar para cortar.
Em tudo isso – em toda essa avalanche de extorsão – o que fica evidente é o bastar ser educado para não ser punido.
No Brasil, não basta parecer ou ser desonesto. Sendo autoridade - fazendo às vezes de importante: político, empresário, juiz - pode-se roubar, matar, burlar. Uma vez que, de fato, nada acontece a essas ‘personalidades’.
Tem-se, ai, toda uma distância do resto da sociedade, punida de todas as formas por aqueles que a extorque: péssimos hospitais, falta de saneamento básico e infra-estrutura, insegurança, violência, carência de meios de transporte adequados, salários infames, estradas perigosas e, a mãe de todos esses males: a educação medíocre.
A punição à população tem seu começo na falta de investimento na educação. O inculto está desnudo, exposto a rigidez da Lei, do preconceito, no ignorar de seus atos; da falta de educação que o torna vulnerável à nobreza do colarinho branco.
De maneira alguma digo aqui que o culto é corrupto e o inculto vitimado. Mas, que o caráter superior de posição social e cultural de determinados criminosos serve-lhes como garantia para a impunidade.
Desde cedo, o cidadão popular é despido das vestes da educação. Desse jeito, lhe é negada a proteção da palavra nobre, da postura polida e, até mesmo, do conceito de saber se vestir.
Ora, na infância, todos nascemos ignorantes. ‘Ninguém nasce sabendo’. Educados são apenas aqueles que tiveram chance ao bom ensino. Caberia ao Governo prover este direito ao cidadão. Contudo, não o faz porque não lhe convém. Apesar de divulgarem que o Brasil está muito bem, economicamente. Bem para quem, cara pálida?...
Quantos entendem o que acontece, economicamente, com o país? Quantos entendem que o Brasil só cresce porque o resto do mundo está crescendo, e não pelas próprias pernas; mas que a falta de investimentos está deixando de gerar milhares de empregos?
Pouquíssimos que, ou não tem chances para demonstrar, ou são os próprios interessados em manter a população na ignorância: a ferramenta que mantém essa devastadora diferença social. O resto é conseqüência.
Assim, a polidez protege a autoridade, por não carregar a pecha selvagem que ao cidadão isolado da educação lhe é imposta; cidadão que, sem chances de estudo, de trabalho digno e respeito, tem que ralar para ganhar alguns trocados. E ai dele se roubar algum xampu! Vai direto para o xilindró.
No entanto, quando é suspeito de corrupção, ao senhor de acesso à mídia e detentor das nobres palavras, apenas lhe cai a desonra de alguns minutos de exposição televisiva, que logo será esquecida pelo próximo escândalo.
Tal criminoso - no caso de desistir de sua posição -, não apenas fica livre, com direito à vultosa aposentadoria (paga com a sangra nas indignas remunerações daqueles que verdadeiramente trabalham), como também tem espaço à divulgação da informação a seu bel prazer; deturpando a verdade com frases como “isto acontece em qualquer país do mundo”. Já que é fácil falar de algo que o povão desconhece.
Talvez, sim, aconteça num país qualquer; como é administrado o Brasil. Mas, não em qualquer país. Não com esta freqüência que assola nossos cofres – os quais somos obrigados a nutrir através da maior carga tributária do planeta.
Não com essa impunidade que estimula o crime, tornando interessante o custo/benefício da corrupção.
Daí entende-se as razões pela qual não há investimento na educação. Pois, a essas nobres selvagens criaturas, lobos na pele de cordeiro da polidez, educar a população não compensa: é a distância a ser mantida.
Mas, o crime?! Ah, este lhes compensa.
E como!