Das Transas

(01.04.2009)

Certa vez, fiquei a refletir sobre quem inventou que transar é na cama. Como se chegou a essa trama: transa na cama?

Vamos pra cama? Quer se deitar comigo? Vamos nos deitar, amor? Ou, simplesmente, se direcionar ao quarto, recinto onde geralmente se encontra tal móvel rudimentar, são eufemismos para expressarmos o desejo iminente, em certos casos quase sufocante, de realizar o ato sexual. Se fosse para dar porrada, não haveria meio termo. Seria ali. Um direto na cara, mesmo.

Incrível como somos mais condescendentes com a violência do que com o sexo. Filmes pornôs, geralmente, ficam escondidos nos cantos mais esquivos de uma locadora. E quem os pega, vai em horários de pouco movimento, saindo com aquela cara de culpa debaixo do braço. Ao contrário dos filmes de violência, que são expostos nas prateleiras mais visíveis e ninguém tem o menor pudor de levá-los, excitados a comentar: “neste aqui, tem bastante ação (vulgo porrada, tiro, explosão etc)”.

Não há pudor na violência. Ninguém lhe convida para lhe enfiar a porrada na cama. É ali, onde você estiver, sem a menor cerimônia. E xingar? Xingar sempre tem uma conotação sexual. Estranho, não?! Agredir com o sexo. Já pensou, chegar para alguém e dizer “vai tomar no...” ou “vai se f...”, e a pessoa responder “Deus te ouça!”?

Porém, não é assim. Todos – ou quase todos – gostamos do ato sexual. Ainda assim, agride-se com o sexo na face; fora da cama. É mole?

Claro, ninguém quer “se f...”. Será? Sei lá. Como garantir. Pra começar, o que isto significa? Masturbar-se? Porque, até aonde me consta, esta seria uma atitude meramente reflexiva, no sentido gramatical, como “sentar-se”. Qualquer relação foi sem intenção. Ah, deixa pra lá. Dane-se (que é a sua versão light, igualmente reflexiva).

Fora da cama, na verdade, sexo não é muito incomum, justamente por parecer burlar a regra geral. Na escada, no elevador, no estacionamento, na Sala da Reitoria, no bosque, até em banheiro de avião já ouvi falar – e isto foi dito por um jogador de futebol famoso, em entrevista à televisão. Se ele tivesse dito “transamos na cama”, qual seria a graça? Graça pode soar estranho. E estranho era o que se dizia de outra celebridade, já falecida: que, depois do coito, mandava a coitada dormir num colchão no chão, ao lado da cama. Coitada. Coitado.

Nas escadas, a mais marcante de que ouvi falar não foi no sentido literal. Um conhecido, nos tempos em que não havia internet – muito menos webcam – gostou da voz de uma guria que conheceu ao telefone e marcou com ela nas escadas de uma Universidade, no bairro da Piedade, no Rio. Para não correr o risco da decepção, combinou em determinado andar e se descreveu vestido diferentemente do que estava. Chegando lá, propositadamente atrasado, pegou o elevador até o andar superior e veio que nem os Bananas de Pijamas. Passando no local marcado, continuou no mesmo ritmo, ao perceber que ela estava longe de ser o que ele havia imaginado. Sacanagem.

É, sacanagem. Uma coisa que deveria ser boa e passa a ser ruim. Palavras de dois sentidos, como “cagada”. Cagada, pode ser – além da satisfação da necessidade fisiológica – sorte ou estrago, dependendo do contexto. Da mesma forma, sacanagem tem duplo significado. Sacanagem re-definir um ato tão prazeroso como uma atitude de mau gosto, de espírito de porco. Diga-se de passagem, se porco tem espírito certamente não é o do “espírito de porco”. Porcos são animais bastante inteligentes e massacrados pelo espírito humano. Sacanagem! Para completar, um amigo veio com a teoria de que este termo surgiu com as prostitutas brasileiras ao esperarem os botes de navios franceses (sac-á-nage) com os marinheiros, na Praça Mauá. Interessante interpretação.

Avião, escada, bote no navio... tudo nos leva e trás. Sei de um casal que, de tanto testar a suspensão do carro, foi parar no meio da rua, nos áureos tempos das corridas de submarino, da Praia da Joatinga. Quem conhece o lugar sabe que os carros ficavam inclinados e que, se o freio de mão não estivesse bem regulado, dançavam e desciam. Foi quando os dois, já ofegantes, perceberam que as luzes dos faróis, de outro carro que vinha, refletiam nas gotículas do vidro lateral traseiro, embaçado. Acho que aos outros olhares, naquela noite, deve ter sido muito mais interessante observar o “sapo saltitante” do que se concentrar em suas próprias aventuras amorosas.

Engraçado que o estacionamento da Praia da Joaquina, aqui em Floripa, também é um conhecido motel a céu aberto. Será que tem alguma coisa a ver com “Joá”? Será que “Joá” é “sexo” em tupi-guarani. Joá-aqui-né?

Entaunces, seguindo a bobiça adiante: de reitoria, não sei nada. Ou melhor, o que não falta é reitor reiterando o reto de muitos grupos universitários. Contudo, conheço histórias de uma menina da minha faculdade que sempre escolhia os lugares mais pitorescos para suas relações intimamente afetivas. Uma vez, quase foi pega na própria sala de aula. Noutra, levou um amigo para o terraço da faculdade. Parece que era um dos seus lugares preferidos. Aliás, este meu amigo veio a dar uma gafe enorme: um grupo nosso havia combinado de se encontrar, àquela noite, num bar de Ipanema. Já era lá pelas três horas da manhã, quando fulano finalmente chegou e perguntou por fulana. Os outros disseram “foi embora”. No que ele completou, todo marrentinho: “ihhhh... lá-se-foi-meu-fim-de-noite”. Mal sabia ele que, dentre os demais, de frente para ele, estava o namorado dela. Vixi!

Outra amiga da facul tinha enorme dificuldade em Matemática Financeira. Sempre comentava comigo que seria impossível passar, pois não sabia nada da matéria. Alguns dias depois, ouvi um boato de que o professor, dessa mesma cadeira, estava aprovando algumas alunas em troca de uns... “certos prazeres”. Um dia, ao passar pelo corredor, Ciclana me viu e saiu de sua sala, gritando: “Walter, Walter! Consegui, consegui! Passei em Matemática Financeira”. Demorei alguns segundos para cair a ficha: “É mesmo, é? Que incrível!...”

Eis que chegamos ao final, e deixo a pergunta: por que o sexo é tão obscuro e a violência tão às claras? E, os palavrões, à mistura dos dois. Somos violentados de diversas formas. Mas, tudo passa em branco. Tem um lugar, em especial, aonde somos “coitados”. É Brasília. Lá, o ato sexual violento é sem cama. Sem, na dor de puta, do bote atrás. E sempre atrás dos panos, no fundo das locações.