Das Praias

No princípio, tudo era água. Depois veio o Sol, o baldinho, a pasinha e os brinquedinhos de moldar na areia. Ah, sim. Finalmente chega a areia. Nos olhos. Minha mãe e minha irmã Raquel a soprá-los. Doía que ardia, uma dor que parecia para sempre. Impossível fechá-los ou abri-los. Os olhos choravam. Minha mãe, e minha irmã Raquel, a soprá-los. Nada. Nada que parecia resolver. Água. Tudo isso em Copacabana, no tempo em que ainda era bacana.

Eis que chega, contudo, o engarrafamento. Então, já tinha meus oito anos. Eu, minha mãe e minha irmã, Sylvana, por volta dos dois anos de idade, na Belina vermelha a procurar vaga naquelas fileiras incessantes de carros. Muita gente, muito calor e o sorvete derretendo a melar o estofamento. Enxuto de Uva era o seu nome. De enxuto não tinha nada. Sylvana, toda babada. Da janela, víamos a floresta colorida das barracas de praias. Ansiávamos por chegar ao mar e não entendíamos porque nos entediávamos. Minha mãe, por fim, estacionou em fila dupla, largando a chave com um flanelinha “conhecido”.

Não somente ela. Todos, assim estacionados, causavam o entupimento da artéria coronária do tráfego da Zona Sul do Rio de janeiro. Por esta razão, resolveram triplicar as pistas e, a partir daquele momento, foi-se Copacabana para a ala da memória de algo que já se foi, e foi bom. Morreu, como Fred Astaire e outros que a abençoaram com sua arte e reverência.

Praia é bom. Praia nem sempre é bom. Com a fama, vem o estorvo: turistas, trânsito, especulação imobiliária, turistas, hotéis, pacotes de turismo, turistas, carros, migrantes, imigrantes, mais turistas. O Rio foi se safando na direção sul. Primeiro Ipanema – após a morte encefálica de Copacabana – depois, Leblon. Daí, o boom da Barra; Recreio, Prainha, Grumari... Quando percebi, estava em Florianópolis. Fugindo da multidão voraz, digna do Ultraje a Rigor.

Deixemos disso. Vamos ao Nordeste, antes de chegarmos à Santa Catarina. Você já foi à Bahia? “Talvez volte qualquer dia”. É um outro astral. Diferente. Não sei se melhor ou pior. Diferente. Existe um descanso natural – sem querer parodiar com os baianos. O descanso está no ar. E, por que não? Afinal, quem disse que a vida é para se estressar? Respira-se fundo, não se pensa em nada – e, quando sim, apenas em “faire l’amour”.

Fazendo amor percorro o Nordeste. Porém, não capaz de dar conta do relato de todas as praias nordestinas, sem ser prolixo. Ainda assim, salvo algumas que me afeiçoaram: Jericoacoara (CE), Praia dos Carneiros (PE), Maragogi (AL), marcaram a minha vida, lá por aqueles lados magníficos do planeta. Ah... Fernando de Noronha... Ah... Sem palavras. Não sou besta de tentar expressar a sintonia daquele lugar com meu tímido esforço literário. Só sei que me enfeiticei cercado por todos os lados. Eis que saio pela tangente, nas Velas do Mucuripe.

Volto ao Estado do Rio. Passo pelas perfeitas praias de Niterói. Itacoatiara é uma delas. Talvez, a melhor. Já na capital fluminense, minha preferida chama-se Joatinga. Impossível de imaginar-se numa metrópole, estando naquelas águas. De fato, praia não é água. É faixa de areia. E Joatinga está entra a rocha e o mar. Longe dos prédios, livre do assédio dos turistas farofeiros de Copacabana. Perto do único verdadeiro momento de “relax” que o carioca tem à sua disposição, se não entrar na contra mão. Depois, só tem a Prainha. Mas, é muito longe. Claro, depende de onde se vem. Curioso como todo lugar de praia tem uma “Prainha” ou uma “Lagoinha”. “Atalaia” é outro nome comum. Na serra, onde imperam as cachoeiras, os “Véus de Noiva” caem aos montes. Toda serra tem o seu “Véu de Noiva” – talvez, os últimos resquícios dessa tradição que, como a onda, embranquece em arroz, ao cair. No ar, à sorte, o bouquet.

Casamento, Lua de Mel... Paraíso. O que lhe vem à mente? Praia. Sempre praia. Com ou sem coqueiro. Com ou sem onda. Deserta ou da moda. Resort ou na sorte. Por trilha ou por asfalto. Praia, sempre praia. Água, sempre água. Quando não vem do mar, vem da cachoeira – que vai para o mar. Quando não se trata de Yemanjá, surge Janaína – que vai para o mar.

Praia, sempre praia. Água, sempre água em sua energia imprescindível.

Aqui, no Sul, Santa Catarina é abençoada. Um dos litorais mais bonitos do Brasil e do Mundo. Abstenho-me dos detalhes. Do contrário, este ensaio tornar-se-á (ainda não deram cabo da mesóclise?) excessivamente longo. Apenas citarei aquela praia de que mais tenho desgosto: Meia Praia. O próprio nome diz tudo – ou, metade de tudo: suja, mal urbanizada, o melhor – ou, pior – exemplo do que não se deve fazer num balneário. Triste, muito triste. Um lugar que, com certeza, outrora fora muito bonito, largado naquele esgoto a céu aberto. Só poderia ser Meia Praia; inacabada – ou, de certo, destruída em sua metade essencial. Nome infeliz para uma ou, certamente, várias administrações infelizes. Irônico: lá, me inspirei neste texto. Estava a caminhar, olhando o mar e o “mar” que aquilo me fazia. Esperava o horário do dentista. E, por triste coincidência, ao pensar nestas linhas, meu provisório foi cuspido num espirro. Caiu em pé, com nojo da via putrefata. Sorri (banguela), tristemente ao refletir como tanta merda nos pode ser fértil.

Meia Praia me lembra a falecida Copacabana. Que coisa de mau gosto. Dá nojo. E, quando a praia dá nojo, quando percebemos que o ser humano é capaz de destruir a própria vida transformando o lugar de sua chegada – seja por terra, seja por mar – em Meia Boca de Mau Gosto, empolgados pela ganância financeira, trememos nas bases e afundamos na areia fétida dos excrementos que ninguém quer ver. Onde as crianças brincam e os idosos caminham, sorrindo banguelas ao cair na água e... Nada. Nada que irá resolver.

Na praia nada para a sua salvação.

Praia. Paraíso. Sempre paraíso... Até que se torne meia praia.

(24.03.2009)