Fabio Daflon : Discurso de posse na Academia Espírito-Santense de Letras

Discurso de posse na Academia Espírito-Santense de Letras

Excelentíssima Senhora Presidente da Academia Espírito-Santense de Letras, professora Ester Abreu Vieira de Oliveira, autoridades presentes e dileto público.

Em genuflexão e com o coração em festa, dirijo-me, na condição de acadêmico, pela primeira vez aos confrades e ao público. Faço-o como o médico-escritor Pedro Nava fazia ao referir-se às pessoas ilustres, fossem elas luminares da medicina ou das letras, colocando-se sempre no primeiro pronome do singular (Eu) em substituição ao seu nome, após a citação dos nomes de todos.

Refiro-me, agora, aos ilustríssimos acadêmicos que me antecederam na Cadeira n. 37 (José Francisco Monjardim Filho, José Carlos Fonseca e José Carlos (Cacau) Monjardim), todos eles sob a égide do patrono Antônio Cláudio Soído (Vitória, 1822-Cuiabá, 1866). Sobrenome que dá nome a uma rua na Praia de Santa Helena, em Vitória, e a um lugar em Domingos Martins.

Soído, esse era o seu nome de guerra. Egresso da Escola de Marinha do Rio de Janeiro, foi um dos mais distintos oficiais da nossa Armada. Em mil oitocentos e cinquenta e sete, instaurou a navegação pelo rio Paraguai, franqueada pelo tratado de 6 de abril de 1856; o rio, antes, era considerado inavegável.

Foi comandante do vapor Maracanã. Foi à Europa acompanhando os guardas-marinhas, posto equivalente ao dos cadetes, como professor da turma do quarto ano/quarta turma. Para depois, ao adquirir antiguidade na carreira, ocupar importantes comissões e comandos.

Participou da Guerra do Paraguai como contemporâneo do oficial-médico Carlos Frederico dos Santos Xavier Azevedo, ilustríssima figura da história médico-cirúrgica da Esquadra Brasileira, na campanha do Paraguai, a respeito da qual escreveu o primeiro livro de medicina de guerra do Brasil.

Alberto Claudio Soído chefiou a flotilha de Mato Grosso. Pelos atos de heroísmo em Tonelero, recebeu a comenda de São Bento de Aviz e a de Oficial Superior da Ordem Imperial Rosa. Foi comandante de operações da esquadra no rio da Prata; e por último exerceu o comando do Batalhão Naval.

Como poeta, publicou vários poemas na Imprensa do Rio de Janeiro. Soído foi o introdutor do romantismo no Estado do Mato Grosso. Recito um poema humorístico do patrono, sob o título “Melindres”:

Tantos dotes e a força da cachaça

A todos destruía juntamente!

Porque a beleza já tirava a graça,

Multiplicava a do metal luzente,

E tornava o inglês um descontente,

Tanto pode ó cachaça e força tua

Mas em Byron também andava a lua...

O escritor-navegante Antônio Cláudio Soído traduziu livros de Byron e Victor Hugo, sob os respectivos títulos Corsário e Para os pobres. E, além de patrono da Cadeira n. 37 da Academia de Letras do Espírito Santo, também foi patrono da Cadeira n. 4 do Instituto de Geografia Militar do Brasil e da Cadeira n. 12 da Academia Mato-Grossense de Letras.

História de vida excelsa.

O primeiro ocupante da Cadeira n. 37 pertence à família Monjardim, cuja ascendência é europeia, havendo registro da presença de familiares nos limites de Gênova, nos primeiros lustros do século dezesseis. O confrade Leonardo Monjardim publicou livro sobre a história política da família Monjardim e, de fato, a presença do espírito público é marca indelével dos Monjardim.

José Francisco Monjardim Filho (J.F. Monjardim Filho), capixaba, nascido em Vitória, teve sua formação primária na cidade natal, mudou-se para o Rio de Janeiro e foi aluno do Colégio Pedro II. Formou-se advogado em mil novecentos e trinta e seis. Em Vitória lecionou Direito Penal e Internacional, na Faculdade de Direito.

Foi fundador e primeiro diretor da Escola Técnica de Comércio de Vitória. E o que é uma cidade sem seus comerciantes, sem seus projetos econômicos, sem a pujança dos seus mercadores e mercadorias? Os grandes homens deixam um legado social para sempre.

Chegou a ocupar o cargo de Juiz da 3ª Vara Criminal. Foi afastado por motivos políticos, quando Carlos Lacerda advogou no Fórum do Rio de Janeiro.

José Francisco Monjardim Filho publicou vários estudos jurídicos na imprensa vitoriense, sobretudo em A tribuna. Não tenho cabedal para comentar assuntos judiciários.

Isso não me impede de seguir adiante.

Falo, agora, sobre o segundo ocupante da Cadeira n. 37 da Academia. Trata-se também de homem possuidor de espírito público. José Carlos Fonseca nasceu em mil novecentos e trinta e um. Foi Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, advogado, jornalista. Ocupou os cargos de deputado estadual e federal, jornalista, secretário de estado do Espírito Santo e vice-governador.

Apesar das inúmeras atividades políticas que desempenhou, nunca abandonou a literatura. Teve suas crônicas compiladas por Miguel Marvila no livro Brasil por todos os lados. Marvila coloca-o entre os grandes cronistas capixabas. Suas crônicas são de circunstância, isto é, falam sobre os grandes problemas nacionais da época. Nelas há um tom pessoal de envolvimento com os fatos demonstrativo da labuta sincera.

Em seu livro, José Carlos Fonseca discorre sobre a indústria cafeeira, evolução do sistema partidário brasileiro, habitações populares, próceres políticos. O seu perfil é o do homem conservador e respeitador dos adversários, chegando a considerar favoravelmente as contribuições de agremiações políticas a que não se alinhava.

Seu livro de poemas chama-se Tempo de sonho. E o poema do livro escolhido para ser declamado é uma quadra.

A rima é pérola rica

No belo colar do verso;

Quanto mais rara mais fica

No pescoço do universo.

O meu antecessor imediato, que tanto fez pelo Espírito Santo. Falo do terceiro ocupante da Cadeira n. 37, é autor do slogan “moqueca é capixaba, o resto é peixada!”. Trata-se de José Carlos (Cacau) Monjardim Cavalcanti, natural do bairro de Fradinhos, Vitória.

Foi bacharel em Direito, administrador de empresas e jornalista profissional, tendo dirigido jornais, revistas e emissoras do Espírito Santo, além de ter pontuado como publicitário, homem de marketing e técnico em turismo.

Presidiu durante cerca de dez anos a Empresa Capixaba de Turismo e a Empreendimentos Minas-Espírito Santo. Exerceu as funções de secretário de estado da Comunicação Social, subsecretário de estado do Turismo, subchefe da Casa Civil, diretor do Sistema Financeiro Banestes e secretário municipal de Turismo e Comunicação Social da Prefeitura Municipal de Vitória. Foi membro do Conselho Estadual de Turismo, do Conselho Estadual de Cultura, do Conselho de Administração da Fundação Cultural do Espírito Santo e diretor-executivo da Fundação Jônice Tristão. Foi membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo e da Academia de Artes e Letras de Cascais (Portugal).

Na essência foi um homem de relações públicas calcadas no amor à terra. Divulgou as artes na Fundação Jônice Tristão, rompeu com o espírito insular de Vitória, elevando a cidade a um patamar turístico não conhecido antes dele, fosse isso por razões histórico-geográficas ou demográficas.

Como jornalista liderou expressiva fase da imprensa capixaba, assinando colunas diárias como “Coquetel da Cidade” (A Gazeta), “Poltrona B” (O Diário) e “Turismo” (A Tribuna), além de produzir programas radiofônicos, reportagens, artigos e crônicas para jornais e revistas nacionais e internacionais.

No rol de obras publicadas, alinham-se: Turismo e desenvolvimento (1973), Turismo no Espírito Santo (1974), Segredos da cozinha capixaba (1974), Horóscopo turístico (1984), História e estórias da aguardente (1985), Capixaba, sim (1987, 2ª edição, 2006), Capixaba, hoje mais do que ontem (2006), Sucessos e sorrisos (2010). Não encontrei todas.

Quando lançou seu livro Cozinha capixaba, em 1974, o ponto pioneiro de maior expressão foi o Restaurante São Pedro, do Hercílio. O primeiro cartaz que fez, com o slogan “moqueca só capixaba, o resto é só peixada”, foi ilustrado com imagens feitas no Restaurante São Pedro. A partir dessa iniciativa promocional, a moqueca ganhou expressão nacional, transformando-se numa simpática identidade capixaba.

Em suas crônicas, com alguns temas semelhantes aos abordados por José Carlos Fonseca, entre eles o tema cafeeiro, com singular menção ao café conilon, criado para, qualitativamente, superar perdas de áreas de plantio de café. Meu antecessor traçou a fisiografia desta terra, como se nada tivesse deixado de ser visto, vivido, sentido.

No livro Palcos e atores, escreveu lista das coisas em que o Espírito Santo é, insofismavelmente, o melhor ou o maior. Cito apenas algumas:

. Melhor capital para crianças até seis anos;

. Primeiro Centro de Reabilitação de Aves de Rapina;

. Primeiro criador de povoamentos florestais;

. Maior importador de vinhos;

. Maior produtor de mármore e granito;

. Maior fabricante de arcos de violino.

Sobre Cacau Monjardim, Bernadette Lyra escreveu justo elogio:

“Todos nós devemos ao Cacau um apreço sem preço. Todos nós devemos a esse PHD em Espírito Santo aquele reconhecimento que só se deve a alguém que, de fato, e não por interesse pessoal ou vaidade, fez algo que arrancou o nosso Estado do esquecimento e dos abismos da falta de identidade.”

Ninguém esmiuçou tanto o Espírito Santo como Cacau Monjardim, divulgando as belezas do Estado, sua culinária, seus costumes; fazendo inclusive mais que isso no cultivo de amizades profundas e operosas em prol do amor sentido por esta terra e no sentido que o amor pode dar a uma vida. Enalteceu os artistas. Criticou poderosos. Reconheceu os méritos de quem os teve, independentemente do ramo de atividade, criticou poderosos.

Raros são os homens capazes de, durante a vida, viverem como se estivessem no paraíso. Cacau Monjardim foi um deles. Desenhou, a partir dos detalhes da terra, todas as suas belezas e qualidades.

Foi grande o seu espírito federativo. Trouxe nomes nacionais, como o de Ziraldo, a falar do Espírito Santo, e de seus monumentos naturais de inspiração divina.

Cacau era um dos integrantes do chamado Clube dos Legais, reunindo a velha guarda de jornalistas e profissionais da imprensa. Sua sociabilidade agregadora sempre o pôs como ícone da publicidade e do colunismo social construtivo de liames forte entre as pessoas das quais falava ao povo e o povo.

Gênio!

Apresentados o patrono e os ocupantes da Cadeira n. 37, Antônio Claudio Soído, J.F. Monjardim Filho, José Carlos Fonseca, Cacau Monjardim e eu, agora, é o momento de começar os trabalhos na Academia Espírito-Santense de Letras.

Viva Guananira – a ilha do mel! Viva a terra capixaba!

De minha vida de médico trago o orgulho de não possuir nenhuma anotação negativa em minha carteira de registro médico, e lá se vão quarenta e cinco anos de formado; da vida de oficial da marinha só guardo lembranças boas dos tempos de embarcado no contratorpedeiro Mato Grosso e dos tempos das organizações de saúde de terra, tempo de deslocamentos, inclusive na Ação Cívico Social (ACISO), quando tive a satisfação de, algumas vezes, ir aos rincões da terra atender os pequenos pacientes.

Viajei a costa brasileira desde o porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, ao de Cabedelo, na Paraíba, não cabe mencionar todos os portos. O porto de Vitória é um dos mais bonitos!

Em todos os hospitais civis em que trabalhei recebi a gratidão dos pacientes e o reconhecimento dos colegas.

No amor só é bebida a embriaguez.

Tudo é contentamento. Esse meu sentimento é a alegria, na hora em que o que ele mais representa é a honra, ao tomar assento da Cadeira n. 37 da Academia Espírito-Santense de Letras.

Falo em alto e bom som!

Viva a Academia Espírito-Santense de Letras!

Boa noite a todos. Muito obrigado.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 29/08/2023
Reeditado em 09/09/2023
Código do texto: T7873190
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