Quando não sei o que faço, faço Gambiarra

Suberfúgio:

A canalhice é um tipo de psicopatia que se manifesta de várias maneiras; uma delas, é dando a impressão de falsa amabilidade aos elementos da Natureza.

Quem diz que traficar animais, vendendo-os para um Senhor que dê aos bichos uma gaiola com comida, água e de quando em quando, um banho e limpeza da gaiola, não é amá-los?

Na maior parte do Brasil, faz 16h que o dia deu o ar da graça e com ele, as minhas ilustres visitas. Chega um, chega outro e mais outro. Cada espécie à sua maneira, saltita pra lá, pula pra cá; trina uma canção de algumas notas, vocaliza uma oração em agradecimento por terem despertado de um sono reparador; e vão chegando para a alvorada vespertina.

Nesse corredor verde, com matas ciliares tapando nascentes dos raios solares e ladeando riachinhos, curruiras, maritacas, sassanhos, curicaca, sábias, almas de gato, pardais, canários da terra, tiés, rolinhas, beija-flores, biquinhos, andorinhas, urubus, coró-coro, siriemas, bicos, garças, bem-ti-vis, pato brejeiro, tesourinha, anuns, jacus, saracuras, bicudos, gralhas e outros que não mostram identidade, desfilam nas passarelas dos gramados dos baixios e fazem malabares nos galhos e folhagens de arbustos e coqueiros. Sem ensaios coreográficos, são dados ao espetáculo cantos e cores, naturalmente.

As apresentações ocorrem, regularmente, de manhã e à tarde; pois no decorrer do dia, principalmente em dias quentes, sombra, água fresca e sossego pedem uma ressonada. Para a passarada que despertou com a aurora, o silêncio no decorrer do dia está para uma ressonada, quanto a disciplina está para a qualidade do sossego. E o ajuntamento de tudo renova e motiva os viajantes para o retorno ao lar; o que acontecerá só com o adeus do sol, bem mais tarde.

O inverno chegou; não aquele inverno de trocar as penas, como também não é aquele frio que faz certas aves e pássaros arribar as asas para lugares longínquos à procura de agasalhos doados pelos raios solares, mas perante os fenômenos impostos e datados pela Natureza, a passarada reconhece que a alimentação diminuiu nas árvores dos ambientes por quais voam, logo a estação mais fria pede passagem. Com isto, a esperança de sobrevivência exige voos mais longos e contínuos, entretanto, voar é trabalho; e trabalhar requer energia calórica.

Deveras, excluindo as ações dos homens que, quando não são anéis de fogo para os dedos do próprio construtor queimar, são desmancha-prazeres, a festa cotidiana promovida pela passarada varia, conforme variam as condições impostas pelo ambiente; contudo, faça sol ou faça frio, chova ou seque a terra, adaptar-se é lei a ser seguida.

Essas mínimas coisas, ora estudadas por muitos, faltam à sensibilidade até dos que as estudam; e um dia desses, Eu estava enrolando anéis de inocuidade, quando notei uma variedade de pássaros bicando as cascas de frutas que junto no canteiro de couve.

A fome,

necessariamente,

não é representada pelo semblante,

mas,

A cara da desilusão,

É certamente.

A princípio, ignorei; mas à medida que a manhã corria, que os ventos circulavam por entre as folhagens e a passarada comia com gosto e vocalização as migalhas nas cascas, tomei ciência que estávamos no inverno, estação minguada de frutas nos arvoredos e bem menos, de grãos na lavoura. Por falar em lavoura, com a escassez de chuvas, fatalmente os comilões sentirão nas vísceras o preço dos pratos vazios, devido a prolongada estiagem. Longe de pessimismo praguejado, se Deus quiser; e o Pai todo Poderoso, há de querer. Amém!

Imediatamente, despertei de minha indolente fraqueza e pensei no que poderia ser feito para facilitar a sobrevivência dessas ilustres visitas. E nada seria melhor que um alimentador forrado de frutas fresquinhas para aquecê-los. Daquele dia em diante, o alimentador é ponto de parada obrigatório para uma lambiscadinha na doçura da frutose; e com os papos cheios, limpam os bicos nos fios e antes de partirem para a ressonada, cantam, gorjeiam, vocalizam, piam, guicham e trinam, agradecendo a refeição. Para a passarada, a gratidão não deve ser declarada, mas como o perfume de certas flores, sentida.

O custo dessa operação? O custo é nada; enquanto que o contentamento do operador e da passarada, é tudo. E assim, entre manhãs e tardes lisonjeiras, temos encontro firmado com os esperançosos trinados de novos tempos.

E quando isso ocorrer, é sinal que a inteligência intuitiva, aliada à subjetividade, venceu a razão; então materialistas amantes de ruídos de máquinas poluidoras do ar e traficantes de indefesos, não fiquem perplexos e incrédulos com a mudança de vossos costumes; ao contrário, tenha olhos para a simples naturalidade contida na Natureza.

Mutável Gambiarreiro
Enviado por Mutável Gambiarreiro em 21/07/2021
Reeditado em 27/07/2021
Código do texto: T7304376
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