#OO1, @DERKAISER: O último discurso do século
"Se, portanto, uma nação é pela força da guerra obrigada a servir a um só, como a cidade de Atenas aos trinta tiranos, não nos espanta que ela se submeta; devemos antes lamentá-la; ou então, não nos espantarmos nem lamentarmos mas sofrermos com paciência e esperarmos que o futuro traga dias mais felizes."
Discurso Sobre a Servidão Voluntaria — Étienne de La Boétie.
ATO ÚNICO
(Entra o General e seus executores, armados e com
grande entusiasmo concedem a palavra ao prisioneiro)
PARA TODAS AS CRIATURAS PARRESIASTAS
Agora eu bem me despeço dessa terra úbere — berço querido que sempre acolheu-me —, e dentre tantas outras vezes recebeu-me de braços abertos sem questionar minhas súbitas partidas. Mas saibam que sigo em busca de exílio com o coração feito em cacos, fragmentado, dividido entre o amor que dediquei a esta pátria e a compaixão — cuja firmeza com a qual domina minha natureza, torna-me o mais humano dentre os meus contemporâneos, que velados pelo egoísmo e a malícia de suas pulsões perversas atentam contra a vida de seus próximos.
Esta pátria, à qual dediquei boa parte de minha vida é agora tomada por um rebanho blindado contra a razão e a lógica — escolhendo servir ao invés de serem servidos. Pois é este o ofício do Estado, e nada mais lhe compete senão dar voz ao povo que clama e reclama — há de requererem e reivindicarem seus direitos com toda a autoridade que lhes cabem.
Acastelam-se, no entanto, em suas fantasias conspiratórias contra um inimigo que sequer ousa existir, e partindo para o mais vil dos atos, inclinam-se ao fundamentalismo barato cujo discurso não faz mais do que incitar o ódio!
Essa terra que um dia acolheu — tanto quanto deu-lhes a vida — a homens tão honrados como Goethe e Beethoven, despachou Einstein para longe e carregou tantos outros de sua espécie (cientistas, músicos, escritores, professores) para o extermínio, põe seu povo à margem da miséria e dizima tantos outros respaldando-se em discursos ferinos, não muito obstante tentando justificar em nome do “progresso da ciência” ou de "um bem maior" toda a vilania com a qual tratam sua própria raça — que nada mais é do que a mesma, ao final: humana.
Para cada compaixão, um carrasco sempre em alerta sorrindo com a lâmina amolada, pronto para ceifar o primeiro que se der ao luxo de ser “humano”, demasiado humano. Essa mesma terra que criou homens livres, é também a mesma que se permitiu encarcerar-se aos grilhões da ignorância e da tirania.
Pois é isso que são: Tiranos!
E por falar em liberdade — que aqui transcende o campo metafísico e os pressupostos da existência que tão logo arqueiam questões profundíssimas —, refiro-me ao direito de pensar e falar. Tomaram-nos a arte de Klimt e Fritta, apagaram dos palcos todas as produções de Reinhardt, e agora nos obrigam a engolir todas essas propagandas regadas de meias verdades — distorcidas ao bem querer de mentes que não aceitam o “novo mundo” tal como este se apresenta.
Não ouso discorrer, para o meu próprio desgosto, mais do que a língua me permite lamuriar — este trinado melancólico, intrépido, e que exprime nada menos do que as verdades do espírito livre de homem ingovernável que jamais se renderá, jaz as minhas últimas palavras do século à todas as criaturas que possuem a coragem da verdade:
Que venha então este sono passageiro, e que me permita sonhar por um instante com as paixões, velhas e novas que perdi — antes mesmo de terem sido concebidas a esta realidade —, que o alvorecer me traga o que a noite, impiedosa e impudente ludibriou de minhas mãos sem que eu mesmo pudesse perceber a sutileza de sua furtividade.
Tendo visto a bondade arvorecer nos atos gentis daqueles que, tão cedo, opondo-se contra o sistema vigente amparam os seus semelhantes em meio a miséria e a fome, compreendo agora aquilo que os antigos filósofos e sociólogos profetizavam acerca da mocidade das novas gerações que despontam ao fim de cada século. Crescerá o espírito revolucionário dos que almejam a igualdade e a paz no coração e na mente dos que pensam e pela liberdade não se sentem intimidados; e o conhecimento não mais será demonizado pela estirpe que anseia, a todo custo, extingui-lo.
Que a verdade não seja nunca absoluta e que não tentem impingir por meio de ídolos e falsas promessas a esperança de que o amanhã será o que o ontem um dia prometeu. Que o pobre jamais perca a nobreza de sua graça e humildade, e que a riqueza jamais corrompa os bons. Que os estultos tenham a oportunidade de serem ouvidos, porém, nunca admirados e seguidos. E que, sob nenhuma hipótese, sofistas tenham a admiração de seu povo senão o mais puro desprezo e a desdém que lhes é permitido. Espero que apesar de todas as vossas mazelas, possam sorrir com simpatia sem que a auspiciosidade dentro de si feneça. Sobretudo, que tenham a coragem de dizer a verdade e nenhum opróbrio de serem humanos!