Detesto, tenho Pavor de Natal
Pelo que sempre leio, a humanidade deleita-se com Natal. Pois eu, caro leitor, detesto, odeio Natal; e por vários motivos. Um deles é que sou empresário do campo, munido com pás, picaretas, foices e enxadas abrindo valas, esticando arames farpados em longas cercas, delimitando os piquetes para o manejo do gado, plantando e colhendo, abrindo estradas para o escoamento da produçao de soja, cana de açúcar, algodao, café e eucalipto; fazendo curral, chiqueiros ou pocilgas como queira; e galinheiros para criacao de galináceos e aves, etc. Nessa época do ano, arrebento a boca do balao, de tanto vender. Se pagam o que compram, aí sao outros quinhentos.
Note entao, ilustre companheiro que pensa como o Mutável Gambiarreiro, que quem trabalha e empurra o país economicamente, nao pode gostar de uma época que param, comem abundantemente, fazem farra, batem os carros, conversam fiado, falam da vida alheia. Pura mentirada de hipócritas. Na realidade Natal é mania mundial, porém quem mais se beneficia com o final de ano, sao os políticos e o funcionalismo público que, se nao produzem nada o ano inteiro, nao será no fim de ano que irao produzir. Ao contrário, param bem antes. Dia desses fui á cidade e passando em frente ao paço municipal, li o anúncio na porta de entrada: comunicamos aos amigos munícipes que excepcionalmente hoje, dia 20, fecharemos mais cedo para o almoço de confraternizaçao e retornaremos bem dispostos ao trabalho no dia 10 de janeiro de 2019. Estamos precisando desse descanso, pois o ano foi difícil. Desejamos aos ilustres munícipes boas festas; e lembramos que estamos parcelando os IPTUs atrasados em até 12 vezes".
Instantaneamente senti as tripas revirarem dentro da barriga. O intestino grosso, deu um nó e nao processava nada. Sentindo-se otário também, meu pangaré coiceou pra valer a porta. O mais inusitado é que cheguei em casa, já havia intimaçao para comparecer á Delegacia. Vou responder por desacato ao funcionalismo publico, pertubacao a ordem pública e danos contra o patrimonio público. Ser processado por desacato ao funcionalismo público, ve se pode uma coisa dessa? Deve ser pelo meu sorriso, somado ao relinchado do velho e dinamico pangaré e a reviravolta das tripas. Advinhaçao ou nao, sei que algum diabo avisou para as autoridades. Para cobrar e punir indevidamente, sao bons. Já que fui multado e processado, vou desabafar: "seus parasitas indolentes sugadores do suor alheio, vao tudo para o outro lado da pior praia, imprópria para banho e cheia de tubaroes". Pronto, agora vale a pena que tenho que cumprir.
Nao adianta tentar me persuadir, mas detesto, tenho pavor de Natal, com suas aguas azuladas, sol escaldante, barco a vela em alto-mar; desfile de carros e madames arrastando bichanos e caes de raça pura nos calçadoes e orlas. Quem gosta de viver iludidas sao as mariposas ao redor da lampada acesa; apagou, o ambiente escureceu, adeus sonhos e mariposas.
Ninguém me convence a gostar de Natal; por isto é que procurei fazer meu rancho bem longe, léguas e léguas de distancia da civilizaçao natalina. Estou 9em Jegue é, grota que o notório leitor jamais ouvira falar. Como referencia, está do outro lado do oceano, muito distante das salinas de Rio Grande do Norte. Quando cheguei aqui era tudo virgem: matas, animais, flora, fauna e até minha mulher, porém como temos uma ninhada de filhos, o mesmo nao posso dizer. Em contrapartida, com o cruzamento de irmaos com irmaos, a grota está povoada e cheia de gente. Procriam tanto quanto os ratos e coelhos. Com isto, além de destruir, desmatar, atear fogo em tudo, posso garantir que a praga do natal faz morada aqui também. E o resumo deste discurso é que quanto mais corro dele, mais me aproximo. De quem? De Natal, porra! E por favor, nao me fale mais essa palavra. Chega desta merda, pois sou empresário e operário do campo e nao vagabundo esperando por mesas fartas nas ceias de natal e virada de ano novo. Bando de pardais, tico-ticos, pombos passa-fome. Endividados. Caloteiros. Opa, antes que tome outro processo por exposiçao da vida alheia em público, bando de inadimplentes. Desculpe-me, digníssimo leitor!