DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA -
O DISCURSO DE AIRUMÃ

(Trecho do livro "A Batalha pelas Florestas" - abaixo do texto está como adquirir o livro por agora)


₢Dalva Agne Lynch



Entrei na sala do Plenário com pernas trêmulas. Não havia muitos constituintes – deviam ter achado que a apresentação não valia a pena. Não importava – havia câmeras de TV e jornalistas espalhados por toda parte. Subi ao pódio, coloquei o texto da minha palestra em cima da mesa e levantei a cabeça. E de repente eu sabia exatamente o que deveria dizer. Dobrei o texto e o deixei sobre a mesa. E comecei a falar...

Eu sou indígena, mas sou uma indígena diferente. Faço parte de uma minoria privilegiada. Não nasci numa oca, não cresci numa Reserva. Fui a boas escolas, ao cinema, ao shopping. Meu pai tem boa situação financeira, então não preciso trabalhar numa plantação ou numa usina. Minha mãe lava roupa numa máquina de lavar e não num riacho poluído. E meu maior problema é ainda não ter um celular.

Houve algumas risadas entre eles. Baixei a cabeça e respirei fundo, antes de continuar. Levantei os olhos para eles.

Até um mês atrás, eu não tinha nem ideia de como o resto do meu Povo vivia. Não conhecia as Florestas nem os cerrados. Até um mês atrás, eu era uma criança como seus filhos e seus netos. Então fui visitar as Reservas do Parque do Xingu com meus amigos de uma ONG chamada Asas de Socorro. Essa ONG é estrangeira e eles prestam auxílio médico e alimentar às populações das Reservas. E ouçam bem: a parte importante dessa frase é a palavra ESTRANGEIRA.

Fiz uma pausa. Quem não estava prestando atenção, agora estava.

Vejam bem – este é o nosso país. Aqueles povos das Reservas são nossos irmãos. Mas quem os ajuda, quem lhes leva comida e remédios e roupas, são ESTRANGEIROS. Então eu fiquei me perguntando, e onde estão os meus irmãos brasileiros?

Fiz outra pausa e passei os olhos pela plateia. Agora todo mundo estava me olhando.

Pois vou lhes contar onde eles estão. Vou lhes contar como deixei de ser criança naquele dia, e como vim parar aqui à sua frente.

Na minha visita ao Parque do Xingu, vi onde estavam os meus irmãos brasileiros: eles estavam derrubando as árvores das Florestas para suas indústrias. Estavam fazendo queimadas nas savanas para plantar sua soja. Estavam borrifando inseticida nas pequenas plantações indígenas, destruindo suas colheitas, para protegerem as suas próprias. Estavam construindo usinas hidroelétricas que inundam as terras das Reservas, ou produzem secas, sem jamais trazer eletricidade às aldeias indígenas.

Eu vi tudo isso, e muito mais. Vi os traficantes bolivianos e paraguaios trazendo drogas para o Brasil através das fronteiras das Reservas, porque não há policiamento suficiente protegendo a Terra do meu Povo. Vi os meninos do meu Povo sendo armados pelos traficantes para defenderem seus negócios. E vi que quando a lei é aplicada, ela cai somente nos meninos do meu Povo, e os traficantes bolivianos e paraguaios escapam, porque são protegidos pelo dinheiro das drogas.

Eu tenho só treze anos. Não posso fazer muita coisa pelo meu Povo. Mas vocês podem!

Fiz uma pausa e passei os olhos por toda a plateia. Havia silêncio total. Peguei o texto que me haviam dado e o levantei para todos verem.

Não sei o que escreveram neste papel, para que eu lesse para vocês. Posso lhes dar e vocês podem ler por si mesmos. Mas o que eu mesma quero dizer é simplesmente isto: PROTEJAM AS FLORESTAS. PROTEJAM A NOSSA TERRA. PROTEJAM NOSSAS FRONTEIRAS. PROTEJAM O MEU POVO. Não deixem que digam lá fora que é preciso interferência estrangeira para que as Florestas e os indígenas sejam salvos. Lutem pelo que é nosso! Aprovem leis que funcionem!

Dei um passo atrás, daí me voltei e saí do pódio, com todo mundo me aplaudindo em pé.




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Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 23/11/2015
Reeditado em 12/04/2021
Código do texto: T5458431
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