ELOGIO AO ATOR 

     A João Caetano 

     Escrito para a reinauguração do Teatro Municipal 
     João Caetano, de Itaboraí, em 24 de abril de 2000
     e apresentado pelo próprio autor. 

(Cenário - palco exposto em sua estrutura. Uma cadeira ao centro. O ator está ao nível da platéia, apoiado no proscênio, lendo ou escrevendo de forma displicente. A cena deve começar sem anúncio)

O palco ...
O palco é o lugar onde o ser humano
trava uma batalha feérica contra
tudo aquilo de mais íntimo
que o oprime
- Solidão, Medo, Timidez,
Dores de amor e os
Pesadelos eternos da alma insatisfeita.

O palco é um ringue sem cordas,
um país sem fronteiras nem exércitos,
um campo sagrado
para os deuses do profano.

(Sobe ao palco)

Daqui mal se pode distinguir os rostos
desse ser de mil faces chamado ...
platéia ...
Mal se pode ter a exata noção
de si mesmo
- porque no palco, ser você mesmo é raro ...

Aqui há um pouco de personagem,
um pouco de história,
um pouco de delírio,
como uma esquina onde conversam poetas mortos,
gênios imortais,
milhões de espíritos coexistindo
no palco.

O abismo é ali 

(Aponta para o proscênio) 

mas o salto no abismo,
o vôo sem destino certo,
é dado aqui mesmo,
no palco.

(Senta-se)

Este é o meu território ...
Eu sou um ator.
Tremo cada vez que entro nele
- de prazer, de medo.

As minhas emoções,
e as de uma infinidade de atores
são o único alicerce desse sonho.

(Levanta-se e mostra a cena)

- Ali, um balcão imaginário,
de um palácio imaginário,
de uma Verona imaginária, em um tempo ido,
passado,
suficiente para o gênio de Shakespeare,
insuperável.

- Ali, a porta de uma igreja imaginária,
de uma Bahia próxima da de hoje,
mas simplesmente imaginária,
onde um homem comum criado por Dias Gomes
carrega a cruz que não foi de Cristo,
pois é só imaginação.

- Mais adiante, o casario do Império,
mas ainda assim imaginário,
onde uma jovem também imaginária
dominada por tutores vilanescos
queria o direito de amar ...
Um amor imaginário que só poderia surgir
do gênio romântico de Joaquim Manoel de Macedo.

(Volta a si mesmo, concentrado)

... E, lutando para dar vida, forma,
cor e cheiro ao sonho,
está o ator. 

(Luz no ator)

- Na hora do espetáculo,
das luzes 

(Luz geral) 

o homem por trás do ator morre
e dá sua essência pela vida de um sonho,
pelo instante inesquecível de um aplauso,
pela incerteza eterna do jogo de cena,
onde tudo aquilo que foi programado
pode ser desfeito em um passo em falso.

O ator é o aventureiro do nada,
que planta flores na geleira da palavra
- tão rígida, tão intransponível -
por isso, o ator verdadeiro deve ser
uma vaidade destruída, vilipendiada,
destroçada pela força indiscutível
da personagem ...

(Outro tom, como se recomeçasse a história)

Mas hoje o dia - ou melhor, a noite -
não é de falar sobre o palco
ou sobre o ator assim,
de forma hipotética ...

Não.
A noite é especial,
para falar de um ator chamado João,
brasileiro,
itaboraiense,
- como milhares de outros Joões
que a gente vê por aí -
e para falar do seu palco ...

Deste palco especial que já viveu
e morreu tantas vezes,
que já foi vítima preferida dos
vilões de carne e osso que ficam
lá fora,
e não conhecem a magia do Teatro.

Um palco que já foi demolido,
abandonado, destruído ...

Mas que teima em ser ressuscitado,
na magia de um novo texto,
um novo ator,
um novo cenário,
- revivido pelos sonhos de tantos Joões e Marias,
atores e atrizes,
gente de teatro que ainda luta
pelo seu território.

(Fazendo reverências)

É com muita reverência,
e agradecendo a todos que entenderam
o valor desse sonho chamado teatro,
que piso neste palco hoje ...

A bênção, mestre João Caetano
- O seu teatro está em festa outra vez! 


(Na foto acima, o Teatro Municipal João Caetano de Itaboraí, o primeiro teatro brasileiro a receber o nome do famoso ator, nascido naquela cidade, e onde, segundo registros históricos, João Caetano fez sua estréia nos palcos., Os trechos entre parênteses são as marcações de cena utilizadas para a apresentação do texto.)