Cassino

Cassino

Ignorar só é possível quando se esquece. A partir dessa etapa nada mais importa, acontecimentos, benfeitorias, malfeitorias, alegrias, desarmonias, nada. Nada mais importa. A procura é bastarda, os pensamentos exilados, a preocupação esquecida, nada mais importa. Apenas se esquece.

Esquecem-se os momentos, esquecem-se os problemas, esquecem-se as verdades e as mentiras. Passa-se a viver a vida inconsequentemente do outro, aquele que foi esquecido, exilado, abandonado. Tudo decorre com facilidade e leveza. Mas como o exílio é o lugar que nos rouba algo ou alguém, sempre ficará um oco, o vazio no lugar do esquecido.

Quantas noites não dormidas, quantos surtos e crises mal resolvidas porque foi roubado o direito de ser amado, de amar? Roubado por si mesma, extinguida pela razão a emoção, como num sistema judicial. Quanto tempo passado e vivido, sem importância, sem relevância de ambos os lados? Talvez nem de ambos os lados, mas dos dois lados sim. De todos os lados, as partes, as cláusulas. Porque tudo parece um jogo de loteria, o cassino no tribunal e vamos ver quem vai sair ganhando? O cassino que vai sugar até a última gota do seu sangue e, quando você tiver achado que vai estar tudo esquecido, tudo exilado, vamos retomar do princípio, será que seguem-se as mesmas regras?

Mas o tempo passa e as regras mudam. E quem faz as regras são os jogadores. E quem ganha normalmente tem o time maior. Não em número, mas em coragem, em vontade, porque a desistência é muito fácil nesse jogo. O jogo da vida. Que tal brincar de boneca? Elas são mais fáceis de lidar, não precisam comer e trocar de roupa, só de vez em quando, quando se tem vontade. Amar também é só de vez em quando, pois quando para-se de brincar, elas são jogadas num canto, sozinhas, abandonadas, esquecidas, empoeirando. Mas o tempo passa e tudo muda.

A vida não é uma brincadeira em que se pode retomar o tempo. Esse nunca retorna. Tantos anos passados deixando as bonecas na prateleira, será que elas vão estar dispostas a brincar depois de tanto tempo? A tinta não desbota, o cabelo embaraça e as roupinhas estragam? Será que a cola ainda vai estar firme para grudar suas perninhas? É isso o que acontece quando não se cuida. Quando não se liga nem se importa. E depois de um longo tempo, o que foi esquecido agora é lembrado?

Talvez nem lembrado de uma hora para outra, porque de certa forma, sempre soube-se que as bonecas estavam ali. Mas como o tempo passa, as vontades também mudam. Não pode-se exigir nada depois de tanto tempo, depois de tanta indiferença. O cassino fechou a essa altura. Não existe fábrica de dinheiro. Nem de amor.

Não adianta querer fechar a ferida de um hemofílico. Pois não se sabe por quanto tempo ela esteve aberta, ela sangrou em suas crises, ela chorou seu sangue e sentiu a dor das porradas do exílio. O coração nunca esquece. E não está disposto a cobranças. Não existe a lei da natureza, a lei somos nós quem fazemos, do jeito que vivemos. Sem obrigação para com o outro, principalmente depois de tanto tempo. Obrigação de voltar atrás, da obediência, do respeito, do amor, da consideração? Quem dá a vida e não cuida dela, apenas deu a vida. Nada mais. Nada pode-se exigir de um abandono, de um esquecimento, de um exílio. As bonecas criaram teias nas prateleiras.

Porque o exílio já sugou até a última gota do sangue, já botou atrás das grades o sentimento não cultivado. E isso não é o tribunal quem decide.

Giovanna Carloni
Enviado por Giovanna Carloni em 26/07/2008
Código do texto: T1098534
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