Os adultos de amanhã
Após longos anos sem ouvir o maravilhoso “Bazar Brasileiro” – disco de Moraes Moreira lançado em 1980, fiz uma viagem no tempo ao recebê-lo há pouco tempo em CD. Todas as suas faixas trazem letras riquíssimas e melodias fantásticas que me remetem a histórias pessoais e a diversas leituras de mundo.
As histórias pessoais dizem respeito àquele marco zero da década de 80, quando eu estava na casa dos dez anos e ainda morava na minha pequena Boa Nova-BA. Antes que alguém possa pensar que eu era uma criança privilegiada, que tinha acesso a um tipo de música pouco comum à minha geração, posso garantir que naquela época todos os meus conterrâneos – da minha idade ou não – ouviam Moraes Moreira, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Chico Buarque, Bethânia, Gal e tantos outros grandes nomes da MPB. Era o tipo de música que ouvíamos no chamado “Som da Cidade”, a nossa “rádio” mantida pela Prefeitura através de um pequeno estúdio e de caixas de som penduradas em menos de vinte postes públicos.
O Bazar Brasileiro, em especial, eu tive o prazer de tê-lo em casa como um dos primeiros vinis adquiridos tão logo meu pai comprou, no final de 1979, o nosso primeiro aparelho de som (um 3 em 1 último lançamento, que até hoje funciona). Eu e meu grande amigo Vanzye (músico e parceiro de algumas composições) aproveitávamos a saída de toda a minha família para a missa de sábado à noite e ouvíamos Moraes a todo volume.
Lembro-me bem o brilho nos olhos de Vanzye ao ouvir Davi Moraes – filho de Moraes Moreira – fazendo seu primeiro solo numa guitarra baiana, aos dez anos (este registro está na faixa instrumental “Todos Nós”). Meu amigo dizia: “esse cara quando tiver uns 20 anos vai ser um grande guitarrista”. Não deu outra: Davi, hoje com 38 anos, é um músico talentosíssimo, já tendo feito parte das bandas de Marisa Monte, Ivete Sangalo e do próprio pai, além dos seus trabalhos solo.
Na faixa “Meninos do Brasil”, Moraes fez seu prognóstico do futuro dos Amaros, Morenos, Davis, Pablos e Pedrinhos (referências a seu próprio filho e aos filhos de Caetano, Gil e de outros artistas, ainda crianças em 1980 e simbolizando toda uma geração). “Todos esses guris vão botar pra quebrar lá pelo ano 2000”, cantou o baiano num dos trechos desta canção.
Esses garotos, dos quais sou contemporâneo, cresceram com valores morais e culturais bastante sólidos. Vivemos a nossa infância e início de adolescência em pleno regime militar. Fomos testemunhas da abertura política que trouxe de volta a democracia e vimos o mundo se transformar numa velocidade nunca antes vista. Como tio, padrinho e ex-professor de crianças e adolescentes que vieram ao mundo depois da década de 90, me pego pensando nos futuros adultos que eles se tornarão.
Fico imaginando se eu conseguiria hoje escrever “Meninos do Brasil 2”, fazendo a mesma projeção otimista que Moraes Moreira fez há 28 anos. A verdade é que não consigo ter a mesma convicção que ele teve para acreditar que esses “guris” e “gurias” vão botar pra quebrar lá pelo ano 2025... Não que eu seja uma pessoa pessimista; ao contrário. É que vejo crianças e adolescentes se tornando pessoas cada vez mais distantes e indiferentes a todo um referencial vindo de pais, professores e outros expoentes do universo adulto.
Talvez mais tarde essa postura venha até ser sinônimo de qualidade de vida, de independência de opinião, de segurança para lidar com os problemas práticos e de ordem emocional. Muito provavelmente esta minha visão seja reflexo da atual fase de olhar para trás com o intuito de pontuar o que me foi e ainda continua sendo fundamental. Para terminar este texto como comecei, com música, vou lá em “Índios”, da Legião Urbana/Renato Russo, para recortar uma passagem que considero bem apropriada: “o futuro não é mais como era antigamente”.