"REDE de PROTEÇÃO"

Você entrou aqui por engano, deu uma olhadinha e...

Ah! não me interessa: texto longo, tempo curto, saco cheio...

A pressa é inimiga da refeição.

Se você não está com fome, então: tiauuu, vai com Deus...

...

De gentes, de pressa, de ânsia de chegar aos finalmentes, de busca no google à respostas e soluções prontas, de olhar, ver e sentir é que se vai falar aqui.

Eu estava com duas fomes e fui almoçar no restaurante de costume, aqui em frente, escolhido não pelo preço ou cardápio e sim pela distância curta, que me encurta o tempo inutilmente perdido com refeições, afinal “eu como para viver” e não vivo para...

Além de ser pelo sistema "selv-service" (inventando por algum norte-americano com juízo centrado no bolso), que economiza mão-de-obra ao dono e me dá troco em forma de agilidade, facilitando a vida.

Morta a primeira fome, procurei na vitrine e não encontrei nada para saciar a segunda.

Decepcionado, voltei para a mesa, revisei mentalmente a agenda da tarde e, suspirando aliviado, senti que dispunha de uma eternidade - de 15 minutos - livre.

Foi então que me dei conta de que uma das meninas (cujo nome nunca me interessei em memorizar), que me serve há anos, não está mais grávida?!

Será que perdeu o filho?

Mas está trabalhando?

Estará ela, pelo patrão (filho da dona e que conheço há 10 anos, quando era um pirralho adolescente), sendo explorada?

Vencendo o primeiro impulso, o do egoísmo silencioso, indaguei a ela, Rita: seu filho nasceu, goza de boa saúde nos seus 11 meses de idade!

...

Quase um ano, dentre uma penca de outros que freqüento o local sem a percepção (consciente - e somente esta tem valor para mudar o rumo das coisas), de quão bem atendido sempre fui, da preocupação (ainda que movida pela preocupação de manter o trabalho, o emprego) em bem servir, de me chamar pelo nome, de conhecer meus gostos - o suco de abacaxi, hoje com ou sem hortelã? -, meus horários, minha vida.

Saí cabisbaixo, mas observante do percurso fincado na rotina dos dias-úteis (finais de semana seriam dias-inúteis?), que me leva até a cafeteria da Rua XV.

Lá onde se encontram os advogados da redondeza, para falar mal do governo, comentar as peripécias futebolísticas, as façanhas sexuais (muito mais sonhadas do que realizadas, aqui no reles-do-chão) e, invariavelmente, criticar os juízes, sempre os ignóbeis do direito em geral, e em especial, dos das causas tais e quais...

Ah! Lá também há os atendentes, hábeis alugadores de ouvidos por obra do ofício, detentores de memórias invejáveis, capazes de "salvar como" nomes e gostos: café preto, sem leite, sem açúcar, com adoçante (gota e meia), com xícara meio-fria, biscoito dispensado, chocolate de menta, idem.

- Ontem o Sr. não veio, seu amigo x, perguntou pelo Sr.; falei que só veio aqui na segunda e que eu também estava até preocupado...

- Não, está tudo bem, é só a correria, tem faltado tempo para almoçar, então, o cafezinho...

- E o cigarro (free light box - parece nome de primeira classe, de vôo executivo para o inferno do vício), tem conseguido ficar sem? Continue assim...

Continuei assim, cabisbaixo, voltando para o trabalho II...

- Oi Doutora, há quanto tempo...

- Ah, é, pois é... Posso te pedir um favor: peça pra tua secretária devolver estes livros, pra mim, na biblioteca pública? É que estou indo para uma audiência e de lá para o aeroporto e de lá para...

- Calma, pode deixar comigo...

Meia-volta, rumo à biblioteca, preferi ir pessoalmente e chegando lá, me reencontrei com um passado da época de estudante, onde o dinheiro curto falava mais alto que a pressa (ela, minha inseparável companheira de anos), o ambiente era o mesmo, mas não as pessoas.

Ninguém me conhecia; feições fechadas, concentradas nas tarefas estafantes das rotinas cansativas, que diferença dos tempos idos!...

Não havia google, ferramenta inútil num mundo sem internet, mundo da lua num país com reserva de mercado contra a (informática) informação. Sem google as bibliotecas eram concorridíssimas, eram o berço do conhecimento, independentemente da data da edição do livro, da publicação da revista, do julgamento do acórdão nos tribunais, estes que eram compilados em (atualizadíssimos) compêndios trimestrais-de-jurisprundência.

A pressa era menos rápida; o urgente, menos urgente.

Dava tempo de olhar e até de ver, às vezes de pensar e de dialogar. Assim:

- Menino, aquele livro foi devolvido quer que eu reserve hoje? Se demorar depois não me venha reclamar que não avisei...

Raiava, a "dona" Matilde, bibliotecária experiente, com a liberdade quase maternal conquistada em anos de convívio diário, com recomendação freqüente de livros a ler e das datas futuras de vencimento da carteirinha, com desbotada foto três-por-quatro...

- Senhor, não pode ficar parado na fila...

A voz grave do vigilante (armado, dentro de uma biblioteca!) trouxe-me à realidade: caminhei parado, meia hora na fila de silêncio imposto e violado, vez por outra, pelos fones-de-ouvido dos impacientes aborrecentes, enfileirados à contra gosto.

Saí pensativo do imponente prédio, cuja fachada ostenta, grafados em letras góticas, os dizeres: Biblioteca Pública do Paraná...

Instintivamente caminhei em direção ao escritório, e no percurso as preocupações insistiam em emergir, mas conscientemente eu as dominava, com a condição velada de deixar para pensar nelas somente quando no local de trabalho.

A recepcionista, na entrada do prédio, veio com a correspondência recebida mediante A.R., a ascensorista, do último elevador, gentilmente segurando a porta até minha chegada, as pessoas dentro do elevador todas conhecidas, embora sem intimidades, guardam frações de meu histórico: meus horários, gosto de vestimentas, sabem que existo...

Embora já atrasado, adentrei aqui convicto de que iria regorgitar, neste espaço, os sentimentos que subiram à garganta provocando essa ânsia.

Com o intuito, simples, mas não simplório de pedir reflexão sobre as pessoas que nos rodeiam...

São pessoas, muitas delas que, no dia a dia, equiparamos aos moiliários, à natureza morta; mas todas são seres que pensam, sentem fome, sede, falta de humanitarismo e que, de alguma forma, estruturam nossa rede de proteção.

Uma rede invisível, quase sempre imperceptível e de importância subestimada, mas que desempenha papel fundamental em nossas vidas: nos confere uma identidade humana, muito para além de erre gês, títulos, cargos, dinheiros...

Cada gomo dessa rede é um ser humano...

Sem eles não se formaria a rede e, sem ela, eu, você, nós seríamos ilustríssimos desconhecidos, todos os dias e em todos os lugares...

Pense sobre isso e não se esqueça de perguntar - com vai?, de dizer - bom dia, boa tarde, boa noite, ao porteiro de seu prédio, à sua diarista, ao vendedor de café e de jornal, ao empregado do supermercado, da panificadora, do seu cabeleireiro, ao engraxate...

enfim, ao exército de seres que, mesmo anonimamente, guarnecem as muralhas da minha, da sua, e da nossa rede de proteção...

Morta, asssim, a segunda fome: Que horas são? Já! Tenho que ir, em 10 minutos tenho que liberar a estagiária.

Antes de finalizar, consultei o E-MAIL... 128 mensagens, somente à tarde... isso porque é só um i-meio (imagine se fosse um i-inteiro)... a vida empurra a gente, e estou indo... mas valeu a pena o papo, e não se esqueça, pense nisso, e seja feliz...

Agora sim - O FIM - ouço o retunbante: trá-lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá... lá-lá-lá-lá... lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá-lá...

E ao som de "O poderoso chefão", cuspida de meu celular (celular! mais isso: nossa moderna coleira eletrônica) a ordem, a intimação para retornar: - Alô, eu... sim, estou indo...

... FUI... 17:54h

Lobo da Madrugada
Enviado por Lobo da Madrugada em 15/05/2008
Reeditado em 15/05/2008
Código do texto: T991054
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