Embalagem

A música rola, distraindo quem está a ouvir. Nada é sentido além do embalo da música. Os corações batem no mesmo ritmo, os corpos arriscam uma dança não ensaiada. Os olhares penetram no salão, a procura de um encontro ou uma tentativa. Até que se avistam, um de um lado, o outro do outro lado, através de um monte de gente.

Será que devia ir? Valerá à pena a dificuldade de passar por todas essas pessoas, empurrar, dar cotoveladas, esbarrar, valerá à pena? Mas é tão bonita, e parece tão aberta para novas oportunidades... não custa tentar.

À primeira passada já desiste, é muito tumultuo. Deixa-se levar então mais uma vez pela música. A melodia, o suor, as luzes, o clima, todos arrebentando o interior de quem estava presente sentindo aquele momento. Pareciam todos tão iguais, animados, festeiros, dançando juntos, sorrindo e bebendo à medida que a noite adentrava no salão. A única que se destacava era ela, que estava bem ali em frente, mas tão longe de se alcançar, porém parecendo tão fácil de se conquistar. Só eram necessários alguns passos.

Tentou de novo. Vou pegar um copo de wiski. E lá se vai, na direção do bar, que ficava um pouco mais perto do prêmio. Empurra, desvia, muda a direção, e sem desistir, consegue passar.

- Um desse aqui. Com bastante gelo.

Vê o drink ser preparado pelo barman, a sutileza com que prepara o faz pensar novamente nela. Aprecia mais uma vez a vista, pagando ao barman o preço da bebida. Ao segundo gole, começa a criar coragem para ir ao combate.

- Me vê mais um desses, para aquela donzela.

E aponta para o meio da multidão, que cada vez parece mais concentrada, avistando a moça. O homem de traz da bancada da uma risada, ao não conseguir avistar a jovem que ele mostrou. Já tinha recebido algumas gorjetas dele naquela noite.

Quem não tem cão, caça com gato. Pega então o drink para oferecer a moça, mas perde-a de vista. Percebe que a demora nessas horas não é vantajosa. Alguém já deve tê-la cortejado, fui passado para traz.

Abandona o copo na bancada, sem ser notado. Anda mais um pouco, já na desesperança pela bela, mas iniciando outra caça esfomeada. Ronda e sonda a pista de dança, se permitindo sentir novamente o embalo da música, a melodia já puxando os seus pés, arrastando o seu corpo para junto daqueles outros, ao ponto que avista, no meio daquele formigueiro, o monumento novamente. Ah, o seu prêmio tão cobiçado não fora conquistado ainda.

Não tinha dúvidas que já não voltaria ao bar, não queria perdê-la de vista outra vez. Olhava-a intensamente, porém ela parecia fugir ao seu olhar pela quantidade de desvios propositórios. Agora tinha o desejo subindo em seu corpo, como fogo lambendo cada molécula de sua integridade. Estava determinado que logo seria a hora. Nesse momento iria até ela, tentar a dança para o futuro acasalamento, conseguir vencer a batalha dos corpos.

Então começou a andar. Não se importava mais de machucar alguém que estivesse na sua frente, na verdade, nem eles mesmos pareciam se importar. Estavam todos entretidos em suas danças, nas batidas daquela música frenética que os envolvia. Ela parecia então mais convidativa do que nunca. Cada vez mais perto, cada vez mais o seu desejo pela presa ia se apoderando dele. Era a hora.

Mas ela desviou mais uma vez o olhar, enquanto ele percebia um concorrente.

No meio do barulho, escutou-se um fio de voz.

- Você demorou.

- A fila estava grande.