Meninão
- Gigi, posso escrever também?
Enquanto escrevia, o bebê desenhava. Não bebê, já era um menino. Um meninão. Impressionante como o tempo passa rápido.
De lá debaixo se ouve o grito:
- Gi, o Raphael já saiu?
- Não sei!
- Quê?
- Não sei, liga pra ele!
- Gigi, o Raphael vai sair? Perguntou o bebê. Ele ta com problema? Vai pra delegacia? Acho que vão brigar com ele.
Mas se entreteu com o desenho e esqueceu das perguntas. Afinal, por maior que seja, ainda é uma criança.
- Eu to fazendo uma “mardilha”. E tem que botar esse negócio. Se pegar ele, vai ser morto. Aqui vai ter uma pistola. Sabe o que eu vou fazer, Gi? Você não sabe. Tem que pegar uma coisa sua, vai ser isso aqui.
Enquanto pega o grampeador sem grampos e tenta, sem resultados, machucar o papel.
- Perai, Gigi, que eu vou pegar outra coisa.
Vai até a porta e reclama:
- Ta trancado.
- Não ta não, amor, é só puxar.
E puxa, porque já é forte. No quarto ao lado escutam-se barulhos de brinquedos sendo afastados e um canto, baixinho, com a voz suave dele. E volta, alegre e sorridente.
- Ô Gi, quando eu botei na tomada o fio do rádio, começou a cantar aquela música, a mesma que tava tocando lá embaixo. É muito engraçado, viu, Gi? E do lado tava a bala da Bella. Você quer uma? Mas não conta pra ela ta?
E se debruça, sobe na mesa para tentar alcançar a bala da Bella e um batom dela, que ela também não podia saber, para enfeitar o desenho. Desce com dificuldade, se apoiando na cadeira ao lado.
Enquanto lá embaixo se encontra a Bella, sentada em frente à televisão, como passou o resto do dia.
E ao lado do menino, me encontro tentando escrever e mostrar o tempo.
Daqui a pouco ele cresce e vira um garoto. Daqui a pouco ele pede pra ir no cinema com uns amigos. Daqui a pouco ele apresenta uma namorada para nós. Daqui a pouco ele está prestando vestibular e escolhendo a profissão. Mas o agora, o desenho e a escrita, nunca mais voltarão. A esperteza é quem vai substituindo a inocência, fazendo deixar para traz o bebê. Por isso não se pode deixar passar momentos como esse.
- Vem, meu bebê, pode escrever.